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Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Depois de morte em briga de torcidas, campeonato deveria ser cancelado

Torcedores saem de Caxias com destino ao Maracanã, portando paus e ferros - Reprodução de vídeo
Torcedores saem de Caxias com destino ao Maracanã, portando paus e ferros Imagem: Reprodução de vídeo

Colunista do UOL

07/03/2023 10h17

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Foi belíssimo o chute do lateral-direito uruguaio Puma Rodriguez, que, de muito longe, estufou a rede do Flamengo e garantiu a alegria da torcida do Vasco no clássico de domingo (5), no Maracanã. Entre os que comemoraram muito aquele gol estava este colunista, vascaíno doente. Acompanhei o jogo pela TV, com muita inveja de quem foi ao estádio. A festa do futebol parecia perfeita: dois bons times em campo, Maracanã lotado e uma partida bem disputada. Para arrematar, vitória do meu Vascão.

Algum tempo depois de terminada a partida, porém, veio a notícia que manchou de tristeza o domingo que até então era alegre. Antes de a bola rolar, houve uma gigantesca briga entre torcidas organizadas do Vasco e do Flamengo. Oito pessoas ficaram feridas, duas delas gravemente.

Ontem, uma das vítimas, Bruno Macedo Santos, morreu.

Nas redes sociais, centenas de vídeos feitos antes do jogo escancaravam que exércitos de brucutus estavam indo ao estádio sem a menor intenção de apreciar o esporte. Iam não apenas para brigar, mas para trucidar torcedores do time adversário que encontrassem pelo caminho. Nas imagens, hordas de brigões saíam de vários bairros e municípios portando pedaços de paus e ferros, como se estivessem indo para uma guerra. Destino: Maracanã.

Alguns desses grupos de vândalos apareciam nos vídeos escoltados por soldados da Polícia Militar, que, inexplicavelmente, permitiram que continuassem portando seus porretes (mais tarde a polícia mostrou alguns desses artefatos apreendidos, como se tivesse tomado providências. A quantidade de apreensões, no entanto, foi bem abaixo da quantidade de paus e ferros mostrados nos vídeos).

As torcidas organizadas de Vasco e Flamengo se cruzaram no bairro de São Cristóvão e a batalha campal estourou. Em nota, os torcedores flamenguistas reclamaram que a própria PM descumpriu o que havia sido acertado e escoltou os grupos rivais para a mesma área - algo que deveria ser evitado. A PM nega.

Os celulares dos próprios vândalos captaram imagens de um grau de crueldade que normalmente só se vê nesses filmes americanos sobre psicopatas que infestam os canais de TV por assinatura. Em algumas cenas, os agressores mostravam a vítima sendo massacrada e depois abandonada no asfalto, inconsciente e despida. Os agressores comemoravam e gargalhavam.

As oito vítimas em estado mais grave foram levadas para o hospital (houve muito mais gente ferida) e a PM só conseguiu prender um dos criminosos.

Diante desse episódio, uma questão: não seria o caso de tomar medida mais drástica para interromper a sequência de confrontos entre torcidas organizadas? Algo para além das providências policiais, que se mostram insuficientes? Uma decisão com maior impacto simbólico?

Não seria o caso de cancelar o Campeonato Carioca?

Não só o Carioca. Em casos semelhantes também cancelar outros campeonatos estaduais ou nacionais?

Obviamente, a maior parte dos 70 mil torcedores que lotaram o Maracanã e vibraram com o Vasco x Flamengo nada têm a ver com os brucutus. Anseiam pelo domingo de futebol para extravasar emoções, sublimar dificuldades do cotidiano, ou apenas ver belos lances.

Além disso, há enormes compromissos financeiros de patrocinadores e emissoras de TV que dificultam uma atitude desse tipo.

Mesmo assim, não se pode normalizar - como tem acontecido ao longo dos anos - que jogos de futebol sirvam de pretexto para que jovens se enfrentem com paus, pedras e tiros, com grau de crueldade cada vez maior.

Claro, o esporte não tem culpa de nada.

Mas talvez só uma medida extrema sirva não só de freio para os brucutus, como também de alerta ao restante da sociedade, que com o passar do tempo vai esquecer que um rapaz foi morto a tiros e outros ficaram gravemente feridos na briga. Nessa toada, em breve, novos casos como esse vão aparecer no noticiário.

O que aconteceu domingo no Rio - e acontece também em São Paulo e outros estados - não deve ser incorporado à rotina dos grandes clássicos.

Se ainda queremos ser civilizados, é preciso parar por aqui.