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Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

CPMI não vai encobrir o óbvio: em 8 de janeiro, o governo foi a vítima

Colunista do UOL

20/04/2023 07h05

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Existe no futebol uma espécie de jogador violento que lança mão da malandragem para tentar não ser punido pelo juiz. A encenação consiste no seguinte: a cada vez que dá uma botinada no adversário, o atleta brucutu cai no gramado, como se também tivesse recebido falta. O objetivo é enganar o árbitro, fazer com que o juiz confunda o agressor com o agredido.

Nos últimos anos, uma variação dessa estratégia inescrupulosa passou a ser usada também na política nacional. Especialistas em discurso de ódio e fake news, deputados e senadores bolsonaristas frequentemente usam os microfones do Congresso para dizer que os opositores estão usando... discurso de ódio e fake news.

A tática, comum na extrema direita de todo o mundo, segue um enunciado erradamente atribuído a Lênin: "Acuse os adversários do que você faz, chame-os do que você é".

É esse expediente que os bolsonaristas colocam em prática agora, ao brigar pela instalação de uma CPMI para apurar os acontecimentos do dia 8 de janeiro, quando as sedes dos três poderes da República, em Brasília, foram invadidos por milhares de vândalos.

Não há dúvida de que as hordas golpistas que protagonizaram as cenas mais abjetas da história recente do país são apoiadores de Jair Bolsonaro, que saíram da frente do Quartel-General do Exército para invadir os palácios. Mas, preocupados com a péssima repercussão que o episódio teve junto à opinião pública (até mesmo entre o eleitorado de direita), os políticos bolsonaristas tentam emplacar uma falsa "narrativa" de que houve omissão ou até mesmo participação ativa do governo e da esquerda, com o objetivo de culpar a direita pela destruição.

Essa tese delirante recebeu ontem um reforço, por conta da divulgação pela CNN Brasil de imagens da atuação do ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo Lula, general Gonçalves Dias, e seus subordinados durante a invasão.

O video mostra Gonçalves Dias aturdido, indicando aos invasores a porta da saída, enquanto outros funcionários da pasta se mostravam inexplicavelmente amistosos com os terroristas. Um major do GSI chegou a servir água a um deles e permitiu que outro arrancasse da parede um extintor, sem esboçar reação.

As consequências da divulgação das cenas são conhecidas: os oposicionistas usaram todos os pronunciamentos no Congresso e todas as entrevistas na imprensa para acusar o governo e levantar mais dúvidas sobre uma possível omissão. Enquanto na tarde de ontem o general Gonçalves Dias pedia demissão, o mundo político passava a considerar inevitável a instalação da tal CPMI.

Os próximos dias serão de muita gritaria por parte dos bolsonaristas, tanto no Congresso quanto nas redes siciais. No meio dessa balbúrdia, porém, é preciso não esquecer o principal: na depredação ocorrida em 8 de janeiro, o governo foi a vítima.

Outra verdade insofismável: os vândalos eram bolsonaristas, que defendiam golpe e que passaram muito tempo à frente dos quartéis pedindo intervenção militar, incentivados por Bolsonaro, pelo general Braga Netto e por políticos e empresários que apoiam o ex-presidente.

O atual governo fará bem se realmente mudar de atitude e passar a subscrever a criação da CPMl, como anunciou o líder governista na Câmara, José Guimarães (PT-CE). Poderá usar a seu favor, inclusive, as imagens que vieram a público ontem. Elas servem para questionar por que os funcionários do GSI, herdados do governo anterior, agiram de forma tão cordial com os invasores. Teriam traído o general Gonçalves Dias? A investigação poderá responder a essa pergunta.

Enquanto a apuração não é aprofundada, nem a imprensa e nem outros setores da sociedade podem se deixar levar pela malandragem dos bolsonaristas. Quem está na arquibancada sabe muito bem quem é o jogador agressor e quem é o agredido.

Por mais confusão que façam, Jair Bolsonaro e sua turma não vão conseguir escapar da responsabilidade por um dos momentos mais aviltantes que o país já viveu.

Que sejam punidos.