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Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Justiça pune quem furta pacote de macarrão e deixa impune roubo de bilhões

Detalhe da estátua da Justiça - Reprodução
Detalhe da estátua da Justiça Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

09/07/2023 10h57

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Os integrantes do Poder Judiciário brasileiro muitas vezes não fazem valer o objetivo principal do seu trabalho, que é a busca por justiça. Essa tarefa compreende dar aos fatos que chegam aos tribunais a gravidade devida, em confronto com as circunstâncias em que ocorreram. Dessa forma, podem decidir se cada caso merece ou não punição.

O que se vê com frequência, porém, são sentenças rigorosas para cidadãos pobres que transgridem a lei apenas por questão de sobrevivência, enquanto personagens abastados, que dão golpes que rendem milhões ou até bilhões passam ao largo de qualquer punição.

Qual deve ser o sentimento da senhora mostrada na reportagem de Stella Borges, do UOL, que foi presa e condenada nas instâncias inferiores por furtar dois pacotes de macarrão instantâneo, dois refrigerantes e um refresco em pó em um supermercado paulista se confrontada com a fraude ocorrida na Americanas?

A maquiagem contábil lesou acionistas e credores em R$ 45 bilhões sem que ninguém tenha sido punido até agora. O prejuízo causado pelo furto da mulher causou ao mercado um prejuízo de R$ 21,69.

De um lado, entre os responsáveis pela Americanas, estão os homens mais ricos do país, Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles, controladores de 31% das ações. Do outro, está uma mulher em situação de rua, desempregada, que certamente furtou para matar a fome de seus cinco filhos,

Até agora, só houve punição para ela.

A mulher foi presa e depois libertada, mas continua respondendo a um processo. Isso acontece mesmo tendo o Supremo Tribunal Federal (STF) estabelecido em 2004 o princípio da insignificância, segundo o qual delitos que envolvam itens com valores baixos, furtados com objetivo de garantir a sobrevivência, sem o uso de violência, não justificam o prosseguimento das ações.

Como os magistrados não são obrigados a cumprir essa diretriz, continuam chegando aos tribunais superiores milhares de casos insignificantes semelhantes ao dessa mulher que furtou macarrão, biscoito e refresco em pó.

Ao que parece, juízes que tiveram capacidade de vencer questões complexas em provas de concursos admissionais para a magistratura não têm capacidade de compreender as difíceis condições de vida das pessoas paupérrimas de seu país.

O mesmo rigor não é aplicado aos que vivem na opulência. Aqueles que são abastados e não têm nenhuma justificativa para roubar, furtar ou fraudar acabam tendo por parte do Judiciário uma compreensão muito maior quando transgridem a lei.

Enquanto continuar assim, os tribunais estarão colaborando de forma decisiva para a manutenção da vergonhosa desigualdade brasileira.

E estarão cada vez mais longe do objetivo que deveriam buscar: a justiça.

Essa compreensão pode fazer a diferença entre um juiz que honra o seu ofício e um simples concurseiro de toga.