A inútil polêmica das escolas cívico-militares em cinco fake news
Com muita razão, o governo Lula anunciou o encerramento do programa federal de escolas cívico-militares. A decisão não surpreendeu a ninguém, pois já era esperada. A surpresa mesmo ficou por conta da polêmica que se instalou depois do anúncio, especialmente quanto ao espaço que políticos e militantes bolsonaristas tiveram para expor argumentos falsos a favor do programa.
Que conservadores e reacionários, em sua adoração por fardas, queiram militarizar tantos setores da vida nacional, até se pode compreender - sem concordar, claro. Mas acreditar que soldados, sargentos e oficiais possam cuidar melhor da educação das crianças que professores e pedagogos é uma mistificação que se equipara ao terraplanismo.
Apesar disso, defensores dessa anomalia tiveram espaço na imprensa, nas redes sociais e no Congresso para espalhar teses delirantes e pesquisas falsas em confronto com estatísticas confiáveis e análises educacionais de alto nível, como se fossem dois lados da mesma moeda. Não são.
Aí vão algumas respostas às fake news disseminadas nos últimos dias:
1 - Há um grande clamor em favor das escolas cívico-militares
Em sua explanação na Câmara, o ministro da Educação, Camilo Santana, mostrou que foi mínima a adesão ao programa. O governo de Jair Bolsonaro disponibilizou R$ 98 milhões para estados e municípios instalarem colégios assim, mas somente 0,24% desse valor foram gastos, já que houve baixa procura. O ministro também citou uma pesquisa do Datafolha e do Centro de Pesquisa de Opinião Pública da Unicamp segundo a qual 72% dos brasileiros confiam mais em professores que em militares para trabalhar em uma escola.
2 - Escolas cívico-militares têm desempenho melhor que as convencionais
Das 100 melhores escolas públicas do Brasil, nenhuma é militar. Isso acontece mesmo que o orçamento para essas unidades esteja entre os dez maiores do Ministério da Educação (em 2022 foi de R$ 64 milhões).
3 - Em alguns estados, modelo cívico-militar teve melhor desempenho em escolas que antes tinham modelo convencional.
Governadores argumentam que vão manter as unidades cívico-militares porque especialmente em áreas de vulnerabilidade social o modelo conseguiu resultados melhores que o ensino convencional. É preciso informar, porém, que uma escola desse tipo tem orçamento que é praticamente o dobro do que é gasto normalmente. Se anteriormente valor equivalente fosse aplicado no mesmo colégio, não seria previsível melhora nos índices educacionais?
Um bom exemplo da diferença de condições: 1,5 mil militares que atuavam nessas unidades recebiam salários extras que podiam chegar a até R$ 9.152. Quantos professores ganham essa remuneração?
4 - Alunos de escolas cívico-militares obedecem mais a regras de disciplina.
Em entrevista à Globonews, o senador Carlos Portinho (PL-RJ) destacou como qualidade para esses colégios padrão maior de disciplina e citou um caso que lhe foi relatado, de uma escola que tinha tráfico de drogas e ficou livre do problema.
Disciplina é algo que todas as escolas, independente do modelo, devem exigir. Quanto ao tráfico de drogas, esse realmente é um problema da alçada dos militares. Mas devem atuar no sistema de segurança pública e não na área de educação.
5 - Alunos de escolas cívico-militares obedecem mais a regras de disciplina (2).
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OLHAR APURADO
Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberO jornalista Wanderley Preite Sobrinho, no UOL, informou que o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública para proibir que colégios militares e cívico-militares "imponham padrões estéticos e de comportamento baseados na cultura militar". Um dos exemplos citados é a orientação de que "cabelos volumosos serão usados curtos ou presos", enquanto cabelos curtos podem ser soltos. O MPF identifica racismo institucional nessa orientação.
O episódio ilustra como esse modelo faz o espaço se parecer mais com um quartel do que com uma unidade de ensino. Por isso, os padrões disciplinares praticados e exigidos ali são completamente diferentes do que se verifica na vida civil. Seria justamente para essa vivência que a escola deveria preparar os alunos.
Pela relação custo-benefício, mas principalmente em defesa da verdadeira educação, que deve preparar cidadãos que possam agir com autonomia em ambiente de liberdade, a decisão do governo federal de encerrar esse programa é um grande acerto.
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