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Isolamento de Bolsonaro tensiona ainda mais a democracia brasileira

Bolsonaro em Chapecó, à frente de um painel que mente sobre a Covid-19 - Alan Santos/PR
Bolsonaro em Chapecó, à frente de um painel que mente sobre a Covid-19 Imagem: Alan Santos/PR

Colunista do UOL

08/04/2021 19h31

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* Cesar Calejon

Muito foi especulado ao longo dos últimos dias sobre os movimentos de Jair Bolsonaro e a possibilidade de um autogolpe de Estado à medida que o presidente se isola e, assim, se vê forçado a demonstrar força por vias ainda mais autoritárias.

Bolsonaro não pode "dar um golpe", porque a ascensão do próprio bolsonarismo somente foi possível por conta do golpe parlamentar de 2016, do impedimento do ex-presidente Lula e de todos os processos de lawfare (e a ingerência de forças midiáticas e estrangeiras) que precederam o resultado de 2018, conforme abordado em publicação anterior desta coluna.

O bolsonarismo, contudo, deverá apelar de todas as formas possíveis frente à iminente derrota do ano que vem, radicalizando a sua base mais ideológica - com notícias falsas e explorando os elitismos históricos - e tentando cooptar, incansavelmente, as principais instituições do país.

O quanto cada uma delas resistirá dependerá diretamente da vontade das figuras públicas envolvidas em preservarem as suas respectivas biografias, mas, certamente, a queda do bolsonarismo deverá elevar ainda mais a tensão sobre a estrutura da institucionalidade constitucional brasileira ao longo dos próximos dezoito meses.

Nesse sentido, a entropia que marcou o início desse rompimento da democracia brasileira foi registrada anos antes e é para a possibilidade desse cenário se agravar ainda mais em 2022 que devemos estar preparados.

A entropia é uma medida da termodinâmica utilizada para mensurar o grau de irreversibilidade de um sistema ou de um processo. O termo entropia vem do grego entropêe e significa "em mudança".

O exemplo clássico para explicar o conceito é o cubo de gelo (democracia) dentro do copo (Brasil). Ao derreter, a estrutura do cubo, que anteriormente apresentava maior rigidez e estabilidade, torna-se líquida. Com o derretimento, o cubo de gelo se transforma em água, mas a água não volta a se tornar um cubo de gelo neste processo - será necessário empreender novo esforço e gasto de energia para consolidar a estrutura em forma de gelo novamente. Este nível de irreversibilidade contido em certa reação sistêmica é o que a entropia afere.

Naturalmente, o processo de mudança que vai alterar um sistema de forma irreversível e iniciar a entropia sempre começa em algum momento. Durante as primeiras décadas do século XXI, este ponto inicial da corrosão do sistema sociopolítico brasileiro foi a eleição presidencial de 2014.

Ao não aceitar a derrota, a direita liberal, liderada por Aécio Neves, incendiou a República. Grupos internacionais foram capazes de farejar a fragilidade intelectual dos brasileiros e o ímpeto golpista dos partidos derrotados nas eleições, bem como o alinhamento ideológico de alguns dos principais grupos empresariais e de comunicação do país naquela ocasião.

A partir de junho de 2013, o golpe do qual o Brasil é vítima atualmente começaria a ser orquestrado, mas, a despeito da força dos atores empenhados em desenhar determinado arranjo social aos seus prazeres, o resultado final que estabelece como o grupo social se organizará é sempre altamente imprevisível e complexo.

Na prática, isso significa que o bolsonarismo é uma espécie de "efeito colateral" produzido pelo golpe que vem sendo conduzido contra a soberania brasileira ao longo da última década.

Efeitos ainda mais graves, nas figuras de futuros déspotas, poderão ser verificados no Brasil caso permaneça o desrespeito aos parâmetros democráticos em 2022. Também é verdade, contudo, que o bolsonarismo ganhou vida própria e, na luta por sua sobrevivência, atualmente ameaça, inclusive, algumas forças que o ajudaram a ascender e atropelaram a Constituição de 1988.

Apesar disso, a ordem dos fatores altera os resultados neste caso. O que precisa estar bem entendido é que subverter as regras do estado republicano, por meio das guerras jurídicas e da atuação midiática, basicamente, e estimular os elitismos históricos implicam na radicalização da nação brasileira: cenário que interessa somente a figuras como Bolsonaro e pessoas com esse tipo de mentalidade sectarista, unidimensional, apolítica e genocida.

O único caminho para evitar que este processo seja duradouro é garantir que o perigo seja de conhecimento da maior parte dos brasileiros, o que também envolve uma resposta extremamente complexa e a coordenação de múltiplos atores (políticos, econômicos, midiáticos etc.) ao longo das próximas décadas. É possível.

Possivelmente, Jair Bolsonaro disputará o segundo turno das eleições presidenciais em 2022, a despeito de todos os crimes e impropérios cometidos durante a pandemia, já fartamente relatados por esta coluna e por toda a imprensa.

Apoiado por uma parcela do empresariado, pelas alas mais fisiologistas da política nacional e pela terceira parte mais radical, dogmática e elitista do eleitorado brasileiro, o bolsonarismo, frente à iminência da derrota, deverá seguir a cartilha de Donald Trump para tentar judicializar as eleições de 2022 ou até mesmo declarar uma espécie de Lei Marcial, Estado de Defesa ou Estado de Sítio para estabelecer o controle militar da nação, aprofundando a ruptura da democracia brasileira e avançando o projeto teocrático, dogmático e miliciano que assombra o futuro do Brasil.

Contudo, o bolsonarismo é somente a versão mais absurda, agressiva e corrupta das pretensões neoliberais e elitistas que foram historicamente avançadas por partidos da direita liberal no Brasil e até mesmo pelas gestões dos governos de esquerda, em alguma medida. Infelizmente, estudos, livros, dados ou fatos não serão capazes de esclarecer a perspectiva de pelo menos algumas dezenas de milhões de eleitores antes do próximo pleito presidencial.

Após a tempestade perfeita que foi causada pela interseção entre o próprio bolsonarismo e a covid-19 no Brasil, caberá, portanto, aos cidadãos que se omitiram nas últimas eleições - e que representam uma parcela significativa da população brasileira - garantir que o projeto do bolsonarismo seja definitivamente derrotado em 2022 de forma a caminharmos rumo a um processo de reconstrução nacional, com base em um modelo de democracia mais participativa do que representativa ao longo das próximas décadas.

* Cesar Calejon é jornalista com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (EACH-USP). É, também, autor do livro "A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI" (Lura Editorial).