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À CPI, Ernesto deve explicações sobre suas fantasias olavistas
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* Rafael Burgos e Igor Tadeu Camilo Rocha
A CPI da Pandemia ouve nesta terça (18) o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo. No país das 436 mil mortes pela covid-19, Ernesto deve explicações sobre o duplo papel que exerceu quando membro do governo Bolsonaro: o de chanceler e o de influenciador de extrema direita. No exercício de ambas, o ex-ministro prestou a sua contribuição para o morticínio em curso no Brasil.
No Itamaraty, o então chanceler liderou a cruzada anti-China, o maior parceiro comercial do país e responsável pelo fornecimento de insumos para a produção de vacinas. Protagonizou, ainda, episódios constrangedores, como a fracassada operação para a busca de imunizantes na Índia, além de ter mobilizado o aparato diplomático brasileiro em prol de remédios ineficazes para a doença, como revelaram telegramas obtidos pela Folha.
No âmbito da sua função institucional de governo, essas serão algumas das principais questões a serem levantadas pelos senadores ao longo da CPI. Há, entretanto, outros estragos produzidos pelo ex-ministro, estes menos visíveis, mas que demandam esclarecimentos à população: são obras não do ministro, mas do blogueiro olavista Ernesto Araújo.
Como já mostramos nesta coluna — no caso, tratando do papel desempenhado pelo ex-ministro da Educação Abraham Weintraub —, no governo Bolsonaro, para adquirir prestígio, ministros devem ser também militantes em defesa de causas difusas. No caso de Ernesto, este papel foi exercido por meio do blog Metapolítica 17 em conjunto com as suas redes sociais. É sintomático, aliás, que tenham sido justamente as suas credenciais de blogueiro olavista que o qualificaram para o Itamaraty, posto ao qual chegou após indicação do youtuber Olavo de Carvalho.
Se considerarmos o texto de despedida, já na condição de ex-ministro, foram nove artigos publicados por Ernesto em seu blog desde o início do governo Bolsonaro. No último deles, o ex-ministro faz um balanço de sua gestão, onde estão colocados pontos que podem ser levados em consideração na CPI, especialmente os desnecessários atritos com a China.
No texto, o ex-chanceler acusa a Embaixada chinesa em Brasília de dirigir ofensas a Jair Bolsonaro e fazer "questionamentos da liberdade de expressão vigente do Brasil, inclusive com ameaças contra cidadãos brasileiros que proferissem ideias consideradas prejudiciais à China".
Aqui, Ernesto faz menção indireta às declarações do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub e do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que, via redes sociais, acusaram a China de ter causado a pandemia de covid-19 e de estar promovendo espionagem por meio da tecnologia 5G.
Para o ex-ministro das Relações Exteriores, tais acusações contra o país asiático estariam amparadas pela "liberdade de expressão", ao passo que a natural reação da Embaixada chinesa a tais declarações provou-se ofensiva e desrespeitosa.
Tendo em vista as fantasias conspiratórias de Ernesto, o ex-ministro enxerga as relações internacionais de forma que China, coronavírus, comunismo, organismos multilaterais e agendas de preservação ambiental fazem parte de um mesmo concerto. É o que se depreende de dois dos seus textos mais eloquentes publicados em seu blog no período, onde ganharam vida expressões quixotescas como o "comunavírus".
Segundo o ex-chanceler, "comunavírus" é o nome que descreve a instrumentalização do combate à covid pelas forças do comunismo internacional, da qual, sugere ele, faria parte a Organização Mundial da Saúde (OMS), entidade que, por sua vez, teria difundido as regras do "sanitariamente correto", modo jocoso de se referir às medidas de proteção da vida durante a pandemia.
De lá saíram, ainda, célebres esoterismos como o "covidismo", o "narco-socialismo", o "trans-humanismo", dentre outras expressões cunhadas por Ernesto para descrever um complô internacional em ação durante a pandemia. A primeira expressão, importada e traduzida da extrema direita norte-americana, foi vista em cartaz pró-Bolsonaro nos atos antidemocráticos do último sábado (15), registrada pelo fotojornalista Eduardo Matysiak.
Nesse caso, o " covidismo" é utilizado pela apoiadora do presidente como justificativa para um golpe de Estado, expresso na frase "Eu autorizo". Do blog ao cartaz da manifestante, temos o retrato de um ecossistema, a rede de informações alternativas integrada por membros do governo, empresários e apoiadores orgânicos do presidente.
Compreender o alcance e a resiliência dessa rede implica trazer à luz o peso das palavras de Ernesto Araújo. Foi, também, a partir de seu blog e de suas redes que o universo lexical bolsonarista pôde se reproduzir. Ao dar corpo a expressões que não dizem nada — e que, por isso, podem dizer tudo —, o ex-chanceler garantiu à militância uma linguagem sempre nova para defender o morticínio brasileiro.
Por isso, à CPI, para além de justificar atos de governo, cabe a Ernesto explicar a sua atuação enquanto influenciador olavista, função paralela, mas não menos decisiva para chegarmos aonde estamos.
* Rafael Burgos é jornalista e mestrando em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. É editor da coluna Entendendo Bolsonaro.
* Igor Tadeu Camilo Rocha é doutor em História pela Universidade Federal de Minas Gerais.
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