Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Convocar às ruas contra Bolsonaro é erro tático de parte da esquerda
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
* Cesar Calejon
Embora disponham de um claro objetivo comum, que é derrotar o bolsonarismo, por muitas vezes, setores da esquerda esbarram em divergências do ponto de vista da ação estratégica. E não é diferente quando falamos das manifestações de rua contra o governo Bolsonaro marcadas para este sábado (29).
No xadrez, a ida às ruas por parte da oposição caracteriza uma situação intitulada como Arca de Noé: uma armadilha que pode surgir após o movimento executado. Em ampla medida, esse cenário acontece por ansiedade, precipitação e cálculos equivocados.
Eu explico: até esse ponto da pandemia, o governo Bolsonaro vem desidratando de forma veemente por ignorar a vida, levar os seus seguidores às ruas e fomentar a formação de uma tempestade perfeita para o país considerando a interseção entre o próprio bolsonarismo e a crise sanitária, conforme eu abordo no livro Tempestade Perfeita: o bolsonarismo e a sindemia covid-19 no Brasil (Contracorrente).
Dessa forma, o negacionismo genocida do bolsonarismo catalisou os números de infectados e mortos no Brasil durante os primeiros quinze meses da pandemia e levou o governo ao seu pior momento, em todos os sentidos, desde a eleição de Jair Bolsonaro em outubro de 2018.
Contudo, agora, com o país ainda registrando milhares de mortes diárias decorrentes da peste, com apenas pouco mais de 10% da população nacional vacinada com a segunda dose contra a covid-19 e a iminência de uma terceira onda que pode ser ainda mais letal e devastadora do que as anteriores, alguns formuladores e lideranças da esquerda entenderam que seria um bom momento para atacar o bolsonarismo frontalmente levando a população às ruas.
Evidentemente, existem dois resultados possíveis nessa ocasião: (1) a mobilização estimulada por parte da esquerda é um "sucesso" e reúne centenas de milhares de pessoas aglomeradas nas ruas das principais capitais brasileiras ou (2) a convocação fica aquém do esperado e a adesão popular é pequena.
Em ambos os casos, a mobilização proposta nessa ocasião me parece configurar um paradoxo e oferecer muito mais riscos do que possíveis benefícios ao enfrentamento do bolsonarismo.
Eu explico novamente: caso a iniciativa funcione de acordo com o que querem os seus idealizadores, existe um risco enorme de a terceira onda da pandemia arrebentar sobre o Brasil imediatamente após os atos, ao longo das próximas semanas.
Nesse contexto, a esquerda será atacada com a mesma narrativa que vem sendo tão eficiente no combate ao governo bolsonarista: promover atos políticos que geram aglomerações em detrimento das ações de distanciamento social e medidas preemptivas na luta contra o vírus para preservar vidas. O famoso negacionismo genocida do bolsonarismo, conforme citado em diferentes artigos publicados nessa coluna.
No segundo cenário, considerando que a população não compareça maciçamente aos atos - o que seria compreensível, por conta do medo que a doença causa - a capacidade de mobilização e a força política dos grupos diretamente envolvidos passariam a ser questionadas, o que, até então, não é o caso, definitivamente. Pelo contrário: a esquerda brasileira vem ganhando tração política de forma exponencial desde o começo da pandemia, precisamente pelos motivos acima apontados.
Para sintetizar o argumento contido nesse artigo, de forma a sugerir ações ao invés de simplesmente criticar, cabe recorrer ao bom e velho ditado popular futebolístico: "em time que está ganhando não se mexe". Naturalmente, a resposta para essa colocação será: ganhando? Com mais de 450 mil mortos?
Explico pela última vez: ganhando o jogo da adesão popular contra o bolsonarismo. Além disso, como levar as pessoas a se aglomerarem em atos políticos nas ruas nesse momento poderia ajudar a reduzir o número de infectados e mortos? Portanto, nesse cenário e até que a população esteja efetivamente vacinada, as mobilizações populares serão mais eficientes, em todos os sentidos e por conta dos raciocínios apresentados nesse artigo, caso sejam efetivadas digitalmente. Estamos no século XXI.
Ao acompanhar as sessões da CPI da Pandemia via internet, a população, além de estar totalmente protegida contra a doença, ainda tem a capilaridade que as ruas conseguem alcançar somente em casos raríssimos e históricos de mobilização social. A forma como as campanhas (e todo o jogo político) se desenrolam vem sofrendo alterações abruptas, conforme ficou extremamente claro com a eleição de Bolsonaro em 2018, com novas ferramentas e estratégias de comunicação, tais como WhatsApp e Facebook, por exemplo, que foram utilizadas para disseminar discursos de ódio e medo.
Portanto, é preciso maior resiliência nesse sentido. Agora e para 2022. Até a presente data, o ex-presidente Lula, que lidera todos os cenários para a eleição presidencial do ano que vem, tem 2,7 milhões de seguidores no Instagram. Bolsonaro tem 18,3 milhões. Ainda que parte dos seguidores bolsonaristas sejam robôs organizados por scripts, torna-se claro que a esquerda brasileira precisa melhorar a qualidade da sua militância via meios digitais, principalmente em épocas pandêmicas como a que nos assola.
* Cesar Calejon é jornalista com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (EACH-USP). É, também, autor do livro "A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI" (Lura Editorial).
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.