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Entendendo Bolsonaro

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Bolsonaro ainda resiste com agro, militares e empresários

26.jun.2021 - Em visita a Chapecó (SC), o presidente Jair Bolsonaro voltou a causar aglomeração  - Douglas Abreu/Ishoot/Estadão Conteúdo
26.jun.2021 - Em visita a Chapecó (SC), o presidente Jair Bolsonaro voltou a causar aglomeração Imagem: Douglas Abreu/Ishoot/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

27/06/2021 15h18

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* Vinícius Rodrigues Vieira

As evidências de que o presidente Jair Bolsonaro prevaricou ao deixar de dar o devido encaminhamento aos relatos de irregularidades na aquisição da vacina indiana Covaxin sinalizam o derretimento de seu governo. Partidos centristas, notadamente o PSD, indicam que deixarão a base de apoio.

Todavia, na sociedade, o bolsonarismo segue com sustentação vigorosa. São grupos que vêm lucrando em meio a este desgoverno ou não enxergam no presidente o principal responsável pelas mais de 510 mil mortes por covid no país ou não se sensibilizam com tamanha proporção de vítimas da pandemia.

Bolsonaro chegou ao poder graças ao somatório de forças de cinco segmentos sociais: o agronegócio, as igrejas (principalmente as evangélicas, mas há também outras denominações), os militares (federais e estaduais — dentre os últimos, não nos esqueçamos dos milicianos), micro e pequenos empresários (desde donos de biroscas na periferia até lojistas de shopping), e, finalmente, o grande capital, sobretudo o financeiro, os chamados "Faria Limers".

As iniciais de cada um desses grupos formam o acrônimo AIMPEG. Se o impeachment vai pegar, depende da AIMPEG, que já passa por fissuras significativas.

O agronegócio vai de vento em popa, muito embora não seja capaz de, sozinho, gerar bem-estar ao eleitor médio. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que em tese representaria o segmento mais esclarecido da fazenda Brasil, rasgou elogios a Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente cujas credenciais trogloditas são dispensáveis. Não por acaso, ela ainda é considerada uma potencial candidata a vice-presidente da chapa governista caso Bolsonaro arranje um partido para disputar a reeleição.

As igrejas — sobretudo pastores evangélicos — vão sentir cada vez mais a pressão da base de fiéis que passam a apoiar Lula, segundo a última pesquisa de intenção de voto para 2022. Não se pode, porém, descartar a manutenção de um núcleo duro bolsonarista entre os mais religiosos, para os quais a defesa de dogmas morais são mais importantes que a satisfação de estômagos vazios.

Torço para que esse segmento do eleitorado seja em sua maioria como a jornalista Nilza Valéria Zacarias, que, ao UOL, afirmou que a "[...] fé evangélica é, sobretudo, uma fé de mulheres negras, pobres e periféricas. Uma Bancada Evangélica composta por homens brancos, ricos e que não defendem o interesse dos pobres não nos representa."

Com a base social evangélica desembarcando do bolsonarismo, restam os militares como caminho mais fácil para trincar de vez a AIMPEG. Se existir de modo coeso, o chamado partido militar — ala das Forças Armadas com ambições políticas no Executivo — não vai querer deixar o poder.

Assim, a tentação de entregar a cabeça de Bolsonaro ao Congresso deve aumentar. Falta apenas combinar com o EB, ou seja, o Exército Bolsonarista, ala de generais e demais altas patentes fechadas com o presidente. O vice-presidente Hamilton Mourão, aliás, saiu em defesa de Bolsonaro no caso Covaxin, numa fala que não aparenta ser jogo de cena para despistar uma eventual conspiração para derrubar o presidente.

Isso sem falar nos cabos e soldados que, por má formação e instinto de sobrevivência, preferem ver a bandidagem morta em vez de presa. Bom incluir também a Polícia Federal no pacote de forças sem as quais não se depõe o presidente hoje — inclusive por vias constitucionais. Todos esses segmentos podem eventualmente se conformar com a abreviação do mandato de Bolsonaro, mas vão, sem dúvida, infernizar a vida do próximo inquilino do Planalto.

Por fim, vejo micro e pequenos empresários ainda fechados com o bolsonarismo. Eles tendem a pôr na conta de prefeitos e governadores a responsabilidade por suas mazelas na pandemia e, assim, sinalizam manter apoio a Bolsonaro por mais tempo.

Parte do grande capital, porém, tende a abandonar o presidente depois da proposta de reforma tributária que retoma a taxação de lucros e dividendos. Dito isso, parte dos Faria Limers não parece se importar serem "Faria Lama" — ou seja, vão morrer abraçados ao presidente no cinismo que tolera meio milhão de mortos em troca de um liberalismo que jamais virá.

Da AIMPEG, portanto, parece sobrar ainda a AME — ou seja, o setor agrícola, militares, e empresários dos mais diversos portes. Tal como a "Faria Lama", essa galera ama Bolsonaro. Gostemos ou não deles, a AME detém a chave do cofre — graças às exportações recordes de commodities — e, literalmente, está com a bala na agulha, mirando na cabecinha do povo.

Há quem queira fazer análise política olhando apenas para as instituições e o parlamento. Nada mais equivocado para antever os próximos passos da pior crise de nossa história. O centrão pode até desembarcar do governo, mas ele só cai se a sociedade assim o quiser. Foi assim com Collor e Dilma. Terá o mesmo destino Bolsonaro? Impeachment para ele é pouco. Não podemos descansar enquanto ele e seus asseclas não forem condenados em Haia por crimes contra a humanidade.

* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em Relações Internacionais por Oxford e professor na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e na FGV