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Entendendo Bolsonaro

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Superimpeachment põe Lira diante de "escolha de sofia"

Os presidente da República, Jair Bolsonaro, e da Câmara, Arthur Lira, na saída do Palácio do Planalto, nesta quinta-feira - Ueslei Marcelino/Reuters
Os presidente da República, Jair Bolsonaro, e da Câmara, Arthur Lira, na saída do Palácio do Planalto, nesta quinta-feira Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Colunista do UOL

30/06/2021 09h17

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* Cesar Calejon

Após as sucessivas revelações desde que os irmãos Miranda denunciaram um escandaloso esquema de corrupção na compra de vacinas envolvendo o governo Bolsonaro, os holofotes voltam-se agora ao superpedido de impeachment, que deve ser apresentado nesta quarta (30) à Câmara dos Deputados, o que coloca o presidente da casa, Arthur Lira (PP-AL), diante de uma verdadeira "escolha de sofia".

Evidentemente, o processo de impedimento depende de duas dimensões fundamentais: a jurídica e a sociopolítica. Para a primeira, já existiam infindáveis elementos sólidos de crimes comuns e de responsabilidade que foram praticados por Jair Bolsonaro e membros da sua administração desde o agravamento da pandemia no Brasil, em março de 2020.

De acordo com alguns dos juristas mais respeitados e proeminentes da República que foram ouvidos por essa coluna e com base no artigo 85 da Constituição (que recepcionou o conteúdo da Lei nº 1.079/1950, a Lei do Impeachment), Bolsonaro incorreu (com persistentes reincidências) em pelo menos quatro delitos: atentou contra (i) o livre exercício do Poder Legislativo e do Judiciário (inciso II); (ii) contra o direito individual e social (inciso III); (iii) contra a segurança interna do País (inciso IV); e contra (iv) a probidade na administração (inciso V).

Ao avaliarmos a Lei dos Crimes de Responsabilidade, podemos identificar o cometimento de outros crimes, como a quebra de decoro e do pacto federativo, além de tantos atropelos de normas constitucionais, conforme abordado no livro Tempestade Perfeita: o bolsonarismo e a sindemia covid-19 no Brasil (Contracorrente).

Portanto, há muito tempo existem as condições jurídicas necessárias para abrir o processo de impedimento de Bolsonaro. No passado, presidentes brasileiros foram removidos com base em substâncias jurídicas infinitamente mais frágeis. Qual a novidade, então? Sobretudo, os fatos relatados pelos irmãos Miranda à CPI reforçam a dimensão sociopolítica do eventual processo e esse é o aspecto central da escolha aguda que se forma a partir desse ponto para o presidente da Câmara dos Deputados.

Sentado em mais de 120 pedidos de impedimento, com mais de meio milhão de mortes (e contando) decorrentes da pandemia, Lira está agora confrontado com a difícil decisão que indica posturas diametralmente opostas: manter vivo o bolsonarismo e a atual gestão federal frente ao mar de lama que se intensificou desde a última semana ou preservar a sua própria carreira política e o que resta de sua biografia, consequentemente. Fazendo alusão ao romance de William Styron, o presidente da Câmara está completamente embarcado nesse trem, e proteger ambos os "filhos" é impossível.

Caso opte por defender o bolsonarismo, Lira será percebido como uma espécie de coonestador que legitimou a impunidade de uma administração genocida em detrimento de centenas de milhares de vidas dos cidadãos brasileiros. Vidas essas que ele deveria representar e resguardar enquanto presidente da Câmara dos Deputados.

Em contrapartida, caso escolha dar andamento ao processo de impedimento de Jair Bolsonaro, Lira apostaria contra o governo que o ajudou a ascender às primeiras posições da vida política nacional, mas que vem desidratando com rapidez ao longo dos últimos meses, para garantir o futuro da sua vida pública e a conservação da sua memória biográfica.

Ou seja, escolheria, contrariadamente, pelo "filho" que tem as maiores chances de sobreviver às agruras no longo prazo.

De qualquer maneira, a situação da administração bolsonarista deverá se agravar ainda mais ao longo das próximas semanas, considerando que novas evidências possivelmente surgirão e outras testemunhas estarão dispostas a falar, o que aumentará ainda mais a adesão aos protestos de rua e a rejeição popular às práticas corruptas e genocidas do bolsonarismo. O medo demonstrado por figuras centrais do governo, tendo em vista a quebra de sigilos e o bloqueio de Luis Carlos Miranda ao sistema do Ministério da Saúde, é um indício muito claro nessa direção.

Historicamente (Collor e Dilma), as taxas de rejeição ao chefe do Poder Executivo precisam superar a marca de 70% para que seja viável o andamento de um processo de impeachment. Independentemente dos fatores que elevam essa aversão, o que não pretendo abordar nesse artigo, foi assim quando Ibsen Pinheiro (1992) pautou o impeachment de Fernando Collor de Mello e quando Eduardo Cunha (2016) fez o mesmo contra a administração de Dilma Rousseff.

Recentemente, uma pesquisa apresentada pelo Ipec apontou que 66% dos eleitores desaprovam a maneira pela qual Bolsonaro vem governando o país. Apesar disso, esse número vem aumentando significativamente desde o início da pandemia, porém mais incisivamente desde que a CPI iniciou os seus trabalhos.

Nesse sentido, a janela de oportunidade que hoje ainda está aberta ao presidente da Câmara dos Deputados para que ele seja capaz de salvaguardar um dos "filhos" poderá estar fechada muito em breve, arrastando-o para o fundo do poço junto com a própria derrocada bolsonarista até o fim do mandato de Jair Bolsonaro.

* Cesar Calejon é jornalista, com especialização em Relações Internacionais pela FGV e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela USP (EACH). É escritor, autor dos livros A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI (Kotter) e Tempestade Perfeita: o bolsonarismo e a sindemia covid-19 no Brasil (Contracorrente).