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Comando militar indica apoio a interpretação golpista da Constituição

1.dez.2018 - O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) participa da cerimônia de formatura de oficiais combatentes do Exército da Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), em Resende, na Região Sul Fluminense, na manhã deste sábado, 1. Ele estava acompanhado do comandante do Exército, Eduardo Villas Boas (à dir, sentado) - WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO
1.dez.2018 - O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) participa da cerimônia de formatura de oficiais combatentes do Exército da Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), em Resende, na Região Sul Fluminense, na manhã deste sábado, 1. Ele estava acompanhado do comandante do Exército, Eduardo Villas Boas (à dir, sentado) Imagem: WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

09/07/2021 21h23

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* Vinícius Rodrigues Vieira

Preocupante. É o mínimo a ser dito acerca das falas do comandante da Aeronáutica, o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, com o objetivo de constranger ainda mais os trabalhos da CPI da Covid. Nas entrelinhas, ele sinaliza que as Forças Armadas poderiam intervir num dos poderes da República -- neste caso o Legislativo -- de modo supostamente constitucional.

"Nós temos mecanismos dentro da base legal para evitar isso", disse Baptista Junior em entrevista a O Globo, numa referência a possíveis novas advertências ao Legislativo após a nota emitida por ele e demais comandantes militares na quarta-feira passada contra as declarações do presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM).

Aziz havia sugerido na quarta-feira (7) que militares estariam envolvidos em corrupção no processo de compra de vacinas contra a covid. Na interpretação de Baptista Júnior, a nota foi "dura, como deveria ser", não sendo, porém, uma ameaça de golpe. Tratou-se apenas de um "alerta às instituições".

No melhor do meu entendimento, o único fundamento pretensamente legal de alerta militar contra as instituições é a interpretação exdrúxula do artigo 142 da Constituição Federal. Segundo ele, "[a]s Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".

Mesmo antes de chegarem ao poder, bolsonaristas e demais simpatizantes da extrema direita interpretam o referido dispositivo constitucional como uma carta branca para o presidente convocar militares para intervir no Legislativo e Judiciário. É o caso do jurista Ives Gandra Martins, que, em maio de 2020, deu uma série de declarações defendendo uma tese análoga.

Numa das ocasiões, conforme relatei nesta coluna, ele falou ao blogueiro Oswaldo Eustáquio, um dos indiciados no inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre fake news e atos antidemocráticos patrocinados por bolsonaristas. O próprio vice-presidente Hamilton Mourão, general da reserva, já se manifestou ambiguamente a respeito dessa tese, embora recentemente tenha defendido a separação entre política e quartéis.

Testemunhamos, portanto, um comandante militar endossar pela primeira vez, ainda que implicitamente, uma tese que sempre foi associada a radicais bolsonaristas. O comandante da Marinha, o almirante-de-esquadra Almir Garnier Santos, respaldou a fala do colega. Até então, imaginava-se que o Exército era a mais bolsonarista das Forças Armadas.

A interpretação de que Baptista Júnior se referia ao artigo 142 ao sugerir "mecanismos dentro da base legal" para evitar maiores atritos com o Legislativo ganha força com o relato do jornalista Tiago Nolasco, da Record TV, uma das mais alinhadas ao governo. Segundo ele, uma fonte próxima ao comando das Forças Armadas disse que "uma fagulha pode gerar reações não desejáveis por todos que querem que o país se desenvolva".

Ou seja, estaríamos na antessala de um golpe militar caso a CPI avance em meandros que sejam entendidos como desrespeitosos à honra da caserna. Não vejo outro evento negativo à imagem do país e, portanto, ao desenvolvimento econômico senão uma quartelada intempestiva a ser desencadeada por uma fagulha, que pode ser uma nova atitude ou declaração que desagrade aos fardados.

Assim, é inegável concluir que o bolsovírus já chegou ao cérebro do alto comando militar em geral e demais hierarquias inferiores. Autoritário, o bolsovírus baixa a imunidade da democracia e abre as portas à defesa dos militares como uma espécie de poder moderador, cuja autoridade pairaria acima do Legislativo e do Judiciário. Nessa narrativa, ambos os Poderes estariam contaminados por políticos e juízes corruptos e não poderiam ser salvos senão por meio de uma intervenção armada, supostamente respaldada pela Constituição.

Não foi sem lógica, portanto, que a fala de Baptista Júnior aumentou a tensão entre militares e representantes do povo. Tudo isso ganha contornos mais preocupantes se levarmos em conta que, pela segunda vez numa mesma semana, Bolsonaro ameaçou suspender (sabe-se lá por quais meios!) as eleições de 2022 caso não seja adotado o voto impresso.

Gravíssima, portanto, é como devemos qualificar, de fato, a entrevista do tenente-brigadeiro. Suas falas jamais passariam impunes caso o poder do país ainda repousasse sobre ombros civis. Recuperar, de modo pacífico, tal poder da turma do "braço forte, mão amiga" e demais militares será tarefa hercúlea.

* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em Relações Internacionais por Oxford e leciona na FAAP e em cursos de MBA da FGV.