Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Povo devia repetir Diretas e reagir a Bolsonaro com buzinas e panelas
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* Vinícius Rodrigues Vieira
Demonstração de força ou covardia de um protoditador fracassado? Jair Bolsonaro rasgou de vez a fantasia de democrata conservador para abraçar o golpismo convencional. O desfile de tanques que se encaminham para a Operação Formosa, previsto para esta terça (10) na Esplanada dos Ministérios, tem, à primeira vista, caráter meramente exibicionista. O problema é que, na política, mesmo os artifícios retóricos e simbólicos têm consequências práticas. Palavras ao vento — se é que elas existem — somente são assim consideradas na esfera privada, no calor de uma discussão. No espaço público, todo e qualquer ato transmite uma mensagem, ainda que a intenção não esteja clara.
Bolsonaro claramente quer provocar, testar limites como uma criança birrenta — seria assunto de uma terapia familiar se não fosse o caso de um indivíduo que é o chefe supremo das Forças Armadas. Foi nessa qualidade que ele assinou convite divulgado no Facebook convidando chefes de outros poderes da República e autoridades a recepcionar as tropas da operação. Embora ela ocorra desde 1988, será a primeira vez que os militares e seus veículos passarão pela Esplanada e estacionarão na praça dos Três Poderes.
Alguém em sã consciência imagina um chefe de Estado e/ou governo eleito democraticamente patrocinando uma parada militar na capital nacional, justamente no dia em que parlamentares prometem votar contra os desígnios do mandatário de plantão? Some-se a isso as constantes ameaças de jogar fora das quatro linhas da Constituição quando acuado pelo poder ao qual cabe defendê-la. Não nos esqueçamos, claro, do ímpeto golpista expresso por comandantes militares que claramente se arrogam o papel de moderadores do jogo político.
São esses os pais da pátria? Prefiramos, portanto, a orfandade, encarnada no fardo de decidirmos o próprio destino. Afinal, os que nos governam edificaram um morticínio fundamentado na ignorância e, ao que tudo indica, na expectativa de ganhos ilícitos. Sob o pretexto de nos defender de um inimigo inexistente — o comunismo que, no restante do mundo, amedronta apenas iniciantes no estudo da história —, agarram-se ao poder a todo custo.
Bolsonaro claramente ensaia um golpe que, embora possa não contar com a participação ativa dos áulicos que lhe batem continência, certamente terá seu beneplácito quando militares inativos, baixas patentes, policiais militares, milicianos e civis armados sentirem-se encorajados a defender seu führer da derrota inevitável nas urnas. São os Pilatos da democracia carcomida há tempos — primeiro pelos corruptos e, depois, por aqueles que prometeram nos livrar deles apenas para sugar nossas lágrimas, suor e sangue.
Para o ensaio ficar completo, falta apenas o presidente emular novamente Mussolini e liderar as tropas que marcharão sobre Brasília montado num cavalo branco. Antes de Bolsonaro, o general linha-dura Newton Cruz o fez no contexto do estado de emergência preparado pelo presidente João Figueiredo para enfraquecer a votação da emenda que previa restabelecer eleições diretas para presidente já em 1985. Eram os estretores da ditadura militar e, bravamente, os brasilienses desafiaram as baionetas com buzinaços e panelaços, talvez menos motivados pela sede de liberdade que pelo desejo de se livrar de um desgoverno que nos legou hiperinflação e ampla desigualdade social.
Que nesta terça-feira tenhamos mais buzinaços e panelaços tal como nos dias que antecederam 25 de abril de 1984, quando a emenda das diretas foi derrotada, mas o fim da ditadura se tornou irreversível. Nossa sociedade talvez nunca tenha enfrentado tamanho nível de fragmentação política. Se estiverem de fato comprometidos com a manutenção do regime democrático, os comandantes militares deveriam recusar a convocação do ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, para prestigiar a exibição, vamos dizer, atípica.
O partido militar conduziu Bolsonaro ao poder ao lado do agronegócio, grande capital e segmentos evangélicos. Se forem significativas, as fissuras entre oficiais dos mais diversos escalões, precisam, portanto, ficar evidentes. Porém, se todos baixarem a cabeça para o presidente, a muito provável derrota do governo na PEC do voto impresso será apenas o estopim para que o que até agora tratamos como simulacro torne definitiva a tutela militar sobre a nação.
* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em Relações Internacionais por Oxford e leciona na FAAP e em cursos MBA da FGV.
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