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Entendendo Bolsonaro

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Fissuras no mercado e no agronegócio abrem espaço para impeachment

12.ago.2021 - O presidente Jair Bolsonaro, acompanhado do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueiram no Planalto - MATEUS BONOMI/AGIF - AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/ESTADÃO CONTEÚDO
12.ago.2021 - O presidente Jair Bolsonaro, acompanhado do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueiram no Planalto Imagem: MATEUS BONOMI/AGIF - AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

20/08/2021 14h52

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* Vinícius Rodrigues Vieira

O edifício Jair Bolsonaro balança desde 2019, mas nunca cai. Chegou o momento da implosão? Se considerarmos que um governo — autoritário ou não — apenas se sustenta com base social, nunca estivemos tão perto de ver o atual presidente longe do Planalto antes do término do mandato em 1º de janeiro de 2023. Os recentes desdobramentos do inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) causaram fissuras significativas no agronegócio, que se mantinha em silêncio perante os arroubos autoritários do "mito", e acenderam de vez o alerta na Faria Lima.

Como noticia a Folha, o mercado já estaria pronto para desembarcar do governo. Mais do que a falta de comprometimento com a democracia, deve ter causado incômodo o liberalismo de araque de Paulo Guedes, evidente, por exemplo, no projeto de revisão da tabela do Imposto de Renda. Por mais que o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, não se canse de lançar novos pacotes de concessão e privatização e tenha dito que aceita até capital da China — o grande satã do bolsonarismo —, não há investidor racional que ainda veja futuro no desgoverno do capitão.

No agronegócio, a porteira foi aberta por Sérgio Reis. O ícone da música sertaneja travestido de boiadeiro do bolsonarismo pretendia levar o rebanho que apoia o presidente a Brasília para, na Semana da Pátria, dar uma demonstração de força contra as instituições, em especial o STF. A parada gado-militar seria financiada pelo agronegócio, inclusive por produtores de soja que, depois de a Polícia Federal cumprir mandado de busca e apreensão contra Reis, passaram a se desvencilhar dos movimentos antidemocráticos.

Com uma reprovação que já atinge quase dois terços do eleitorado, Bolsonaro ainda parece forte entre os outros dois pilares de seu governo: os evangélicos e os militares. Com o Alto Comando do Exército repudiando o golpismo nos bastidores, é pouco provável que oficiais de baixo escalão se lancem numa aventura. Ainda assim, fica no ar a dúvida sobre o que policiais — especialmente os militares — farão caso o presidente decida "intervir" — eufemismo para golpe.

A recepção dada ao presidente no Pará, em evento da Assembleia de Deus no qual esteve ao lado do pastor Silas Malafaia, sugere que o bolsonarismo segue forte entre as denominações evangélicas mais poderosas, com acesso a meios de comunicação. A Record TV, cujo proprietário Edir Macedo também comanda a Igreja Universal do Reino de Deus, deu amplo destaque à fala de Bolsonaro no evento.

"Temos tido um bom retorno do Parlamento. Mas sabemos que ao lado, no outro poder, no Supremo Tribunal Federal, tem tido uma ou outra pessoa que nos vem a atrapalhar. Mas acreditamos que esse Supremo, tal como esse Parlamento, assim como o Executivo, aos poucos vai mudando", disse Bolsonaro, para em seguida defender a indicação do terrivelmente evangélico André Mendonça ao STF e dizer que o próximo presidente poderá nomear dois outros ministros à Corte.

Ou seja, diferentemente do que vemos em muitas análises, Bolsonaro não desistirá da reeleição e confia na combinação do respaldo de altos-oficiais convertidos a seu projeto com a força de evangélicos que enxergam nele um messias numa dupla missão: refazer a nação à imagem e semelhança do conservadorismo moral e garantir a captura do Estado por interesses particulares. Saem as velhas elites, entram os pastores, como ocorreu nas áreas de cidadania, direitos humanos e educação.

No 199º aniversário da independência, Bolsonaro terá noção se ainda há margem mínima para um golpe. "Só posso fazer alguma coisa se vocês desejarem", afirmou nesta sexta (20) o presidente, numa clara referência a uma possível subversão da ordem constitucional com respaldo popular. Considerando que nem mesmo os bolsonaristas apoiam incondicionalmente um fechamento do regime, qual é o gado que vai dar ouvidos ao berrante e adentrar o pasto do autoritarismo?

O espaço para o impeachment está finalmente posto, mas apenas será alargado caso militares e evangélicos que seguem o presidente incondicionalmente ignorem o berrante e deixem de ser gado. Nem é preciso se juntar ao povo. Basta que lavem as mãos e deixem o mau soldado e cristão à mercê da lei.

* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em Relações Internacionais por Oxford e leciona na FAAP e em cursos MBA da FGV.