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OPINIÃO

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Ausência de diálogo entre os Poderes só interessa ao bolsonarismo

O presidente Jair Bolsonaro em visita a Eldorado - Reprodução/Facebook
O presidente Jair Bolsonaro em visita a Eldorado Imagem: Reprodução/Facebook

Colunista do UOL

24/08/2021 11h23

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* Cesar Calejon

Com envios fracionados de doses de vacina, falta de insumos básicos, como seringas, para a condução do plano vacinal em vários estados, uma calamidade econômica, política e social estabelecida e o problema da crise hídrica voltando com força total, diminuir a tensão entre os poderes da República e os níveis federativos é, neste momento, absolutamente vital para amenizar o sofrimento da população brasileira.

Contra-argumentando o raciocínio elaborado neste espaço pelo colega Vinicius Rodrigues Vieira, por quem tenho o maior respeito e admiração, ofereço aqui a perspectiva segundo a qual o povo brasileiro não pode ser ainda mais penalizado pela ideia de que com o bolsonarismo não se negocia.

Infelizmente para o Brasil, esse é o grupo que ocupa o governo federal atualmente. Com todos os problemas e situações inconstitucionais que caracterizaram as eleições de 2018, mais de 57 milhões de brasileiros o elegeram ao poder.

Dessa forma, a metáfora pertinente, para efeito de compreensão, seria comparar o governo brasileiro à condução de um voo ou embarcação. No meio do trajeto da viagem, durante a maior tempestade possível (perfeita), os membros da tripulação simplesmente não podem se dar o direito de ignorar a pessoa que ocupa o principal cargo de comando do veículo, por mais inepta e doentia que essa figura seja, o que é precisamente o caso de Jair Bolsonaro, sob pena de sacrificar ainda mais os próprios passageiros.

O funcionamento não somente do Sistema Único de Saúde, do Ministério da Saúde, da economia nacional, mas o de basicamente todos os aspectos que são importantes para a vida pública dos brasileiros, pressupõe a coordenação do governo federal no Brasil.

Exatamente por esse motivo, o federalismo cooperativo é um parâmetro consagrado pela Carta Magna de 1988. O Brasil é um país de dimensões continentais, extremamente complexo e amplo, com estados que possuem idiossincrasias, difíceis acessos etc. e que, portanto, precisa da unidade da União, que não por acaso leva esse nome, precisamente.

Conforme apontado em artigo previamente publicado nessa coluna, a tempestade perfeita na qual o Brasil se encontra formou-se, em parte, por conta da ausência do federalismo cooperativo. Na tentativa de se eximir da responsabilidade de enfrentar a pandemia, o bolsonarismo buscou culpar os governadores e prefeitos, danificando a unidade nacional e agravando a crise exponencialmente.

Ainda assim, a situação do país é tão delicada que medidas exacerbadas de qualquer ordem ou comparações com outros regimes totalitários não servem a grandes propósitos no sentido de oferecer o mínimo alívio, sobretudo às populações mais empobrecidas do país, que ainda esperam pela vacina e por comida no prato para sobreviverem até o fim da pandemia e do bolsonarismo.

Cabe, sim, nesse contexto, aos governadores estaduais que prezam pelo bem-estar dos seus cidadãos tentar amenizar a crise que o bolsonarismo criou com os níveis federativos e com os outros poderes da República. O conflito irrestrito e sem moderação interessa somente ao próprio bolsonarismo, que vive de alimentar o caos e a confusão e que caminha para o fim trágico que acomete propostas sociopolíticas dessa natureza, invariavelmente.

A questão central é que o colapso proposto pela delinquência bolsonarista não pode ser naturalizado no âmbito institucional pelas instâncias que ainda guardam algum resquício dos princípios republicanos e de civilidade. De toda forma, os governadores não têm a prerrogativa de iniciar ou conduzir ou processo de impedimento ou de responsabilização do presidente da República por crimes cometidos. Essas medidas cabem às instituições que, como sabemos, no momento estão aparelhadas pelo presidente.

Seguindo a lógica de manter os inimigos ainda mais perto do que os próprios aliados, os governadores, para além de apoiarem o urgente enfrentamento do bolsonarismo nos âmbitos da Justiça e da política institucional, devem buscar um alinhamento mínimo necessário para manter a República funcionando e, assim, não penalizar o povo pelos delírios do Planalto.

Isso não significa desconsiderar os crimes cometidos por Jair Bolsonaro e pelos membros do seu gabinete, mas garantir um mínimo de espírito cívico para que a situação não se degrade ao ponto de cobrar um número cada vez mais alto de vidas humanas.

* Cesar Calejon é jornalista, com especialização em Relações Internacionais pela FGV e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela USP (EACH). É escritor, autor dos livros A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI (Kotter) e Tempestade Perfeita: o bolsonarismo e a sindemia covid-19 no Brasil (Contracorrente).