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Entendendo Bolsonaro

OPINIÃO

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7 de Setembro será laboratório para a extrema direita de Steve Bannon

Steve Bannon, um dos arquitetos da vitória eleitoral do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em 2016 - Alessandro Bianchi
Steve Bannon, um dos arquitetos da vitória eleitoral do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em 2016 Imagem: Alessandro Bianchi

Colunista do UOL

04/09/2021 13h42

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* Warley Alves Gomes

Não é nenhuma novidade que as datas comemorativas são usadas para fins políticos. Nesse sentido, o 7 de Setembro é particularmente especial, pois não há data mais propensa ao chauvinismo, ao oportunismo e à demagogia de governantes.

Há quem se emocione com esse tipo de evento e isso não é um problema. Mas, no Brasil governado por Bolsonaro, uma frase me vem à cabeça com muita frequência: "É pouco Brasil para muito Policarpo". Me remeto aqui a Policarpo Quaresma, personagem patriota criado pelo escritor Lima Barreto no início do século XX.

O pobre do Policarpo sempre caía na lábia de aproveitadores. O Brasil de hoje não está tão longe disso, mas fico na dúvida se nossos Policarpos, que devem lotar as manifestações pró-Bolsonaro com suas camisas verde-amarelo, realmente têm boa intenção.

Esse ano, os clássicos desfiles de militares e tanques virão acompanhados de uma ameaça golpista do próprio presidente, que convoca seus apoiadores e policiais militares para embarcarem em uma "aventura" que pode custar muito caro, não só ao país, mas às próprias Forças Armadas e policiais.

O 7 de setembro de Bolsonaro, se não for um golpe, será pelo menos uma fraude. Aliás, o presidente é uma fraude, bem como suas justificativas para o golpe. Seu "patriotismo" não poderia ser outra coisa. Quem não se lembra de quando o capitão tresloucado bateu continência para a bandeira dos Estados Unidos e errou o bordão de seu próprio governo? Pois agora o presidente insiste na patetice e atrela a data na qual se comemora a Independência do Brasil aos interesses de um figurão da extrema direita norte-americana: Steve Bannon, o "guru" do ídolo de Bolsonaro, Donald Trump.

No último 10 de agosto, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) participou do Simpósio Cibernético de Mike Lindell (aliado do ex-presidente Donald Trump e de Steve Bannon), na Dakota do Sul. Lá, apresentado pelo próprio Bannon, lançou seus disparates sobre o sistema eleitoral brasileiro, sem apresentar provas, repetindo a velha estratégia do pai.

Pois bem, há que se dizer que a estratégia dos Bolsonaro não é aleatória e, ao que tudo indica, está integrada a uma rede internacional. A Polícia Federal vem investigando o próprio Steve Bannon, e averiguou que as redes bolsonaristas vêm aplicando a estratégia do guru de Trump no Brasil.

Bannon é um dos homens mais poderosos da política contemporânea e foi responsável direto pela vitória de Donald Trump nas eleições de 2016, nos Estados Unidos; atuou na campanha do Brexit, no mesmo ano; prestou serviços de consultoria na campanha de Jair Bolsonaro em 2018; recentemente se aproximou da AfD (Alternativa para a Alemanha). Tem, portanto, um projeto global de disseminar governos de extrema direita pelo mundo, mais especificamente, as doutrinas tradicionalistas, como enfatizou o pesquisador estadunidense Benjamin Teitelbaum.

Seguindo essa linha, é preciso considerar uma hipótese pouco explorada sobre o possível golpe de Bolsonaro: mais que um evento de falso patriotismo, ele pode ser um laboratório para as novas estratégias da extrema direita ligada a Bannon.

Esse até então seguia a estratégia de chegar ao poder via eleições, usando de fake news para mudar as intenções de voto do eleitorado. Mas isso parece ter mudado após a invasão ao Capitólio — a qual, não custa lembrar, teve em Eduardo Bolsonaro um ator presente nas reuniões de bastidores, segundo a imprensa estadunidense. A derrota de Trump pode ter sido o pontapé inicial para essa mudança de tática e, se lá foi apenas o ensaio, o Brasil parece ser o melhor lugar para um teste mais efetivo.

As condições são as melhores possíveis e não existe terreno mais fértil: à diferença dos Estados Unidos, temos uma democracia menos estável e um histórico de intervenções militares. Além disso, a política de Jair Bolsonaro foi caracterizada pela presença de fardados em cargos de governo e por uma politização das Forças Armadas e policiais. Já o cenário de fanatismo político, messianismo e negacionismo é bastante semelhante ao dos EUA.

Se lá se esperou a derrota de Donald Trump, no caso de Bolsonaro a espera por eleições se faz cada vez menos necessária: o presidente vem caindo nas pesquisas de intenção de voto para 2022 e já se cogita que não vá nem para o segundo turno. Caso isso ocorra, não há nem como o capitão insistir na retórica da fraude. Sem muitos recursos, Bolsonaro conclama o golpe, pois lhe resta cada vez menos espaço nas vias institucionais.

Aos poucos, essa rede internacional vai sendo traçada e a narrativa do golpe articulada. Não parece ser coincidência o fato de que, nesse momento, entre os dias 3 e 4 de setembro, esteja ocorrendo a segunda edição do CPAC Brasil (Conferência de Ação Política Conservadora, na sigla em inglês), evento que reúne representantes da extrema direita global, além do ex-chanceler Ernesto Araújo; o deputado Filipe Barros (PSL-PR), relator da proposta de voto impresso; Mario Frias, secretário de Cultura; e, claro, Eduardo Bolsonaro, um dos articuladores da iniciativa.

A proximidade das datas e o debate em torno das supostas "fraudes" nos sistemas eleitorais de distintos países colocam gasolina no já incendiado clima político do país e mostra que a extrema direita está de olho no que está ocorrendo no Brasil. De toda forma, o 7 de Setembro de Jair Bolsonaro vem aí. Se ele será a versão tupiniquim da Marcha sobre Roma do nosso protótipo de Mussolini, ou o 18 Brumário de Jair Bolsonaro, não sabemos, mas já é um fato que quem os convoca é um presidente que não tem mais nenhuma serventia ao país.

Resta saber se as Forças Armadas e policiais embarcarão nessa aventura golpista. Caso o façam, se mostrarão tão estúpidas e antipatriotas como o presidente. O certo mesmo é que, na próxima terça, forças internacionais estarão de olho no Brasil. E não é sequer o "imperialismo yankee". É coisa muito pior.

* Warley Alves Gomes é mestre em História pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente leciona no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais - Campus Avançado Arcos. Também se dedica à escrita literária, tendo estreado com a publicação do romance O Vosso Reino, uma distopia realista que remete ao Brasil contemporâneo.