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Entendendo Bolsonaro

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Covardia democrata permitirá 7 de Setembro golpista

25 ago. 2021 - Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante cerimônia pelo Dia do Soldado, em Brasília - Mateus Bonomi/Agif - Agência de Fotografia/Estadão Conteúdo
25 ago. 2021 - Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante cerimônia pelo Dia do Soldado, em Brasília Imagem: Mateus Bonomi/Agif - Agência de Fotografia/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

06/09/2021 10h33

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* Vinícius Rodrigues Vieira

Quaisquer que sejam as consequências das manifestações de ultradireita deste 7 de Setembro, elas devem entrar para a história como a expressão máxima do reacionarismo de massas no Brasil. Quem acompanha o bolsonarismo de perto dificilmente não chega à conclusão de que a principal bandeira da "setembrada" -- como alguns ingênuos céticos têm se referido aos atos desta terça -- é a defesa de um país ancorado no fundamentalismo religioso e na aplicação da força aos opositores/inimigos do regime.

Nesse sentido, a "setembrada", se bem-sucedida, entrará para a narrativa da nação evangélico-miliciana que se avizinha como o novo dia da independência. O sucesso, neste caso, significará de imediato o enquadramento do Supremo Tribunal Federal (STF) nas quatro linhas da Constituição -- o que, na linguagem bolsonarista, significa satisfazer a vontade da parcela do povo que ainda apoia o atual desgoverno e liberar o discurso de ódio nas redes, visando a tornar Lula inelegível, tal e qual ocorreu em 2018, sob a tutela do então comandante do Exército, general Villas Bôas, com o respaldo do Alto Comando do Exército.

Por falar em 2018, foi ali que o golpe começou. Considerar o impeachment de Dilma Rousseff -- legítimo, embora controverso, -- como marco da ruína institucional que nos sufoca serve apenas como narrativa para o PT voltar triunfante ao poder. Se o partido vier a ser bem-sucedido em tal tarefa, pouco importa neste estágio. Tarefa mais urgente é derrubar Bolsonaro. Ainda assim, o bolsonarismo como movimento político sobreviverá como um fantasma a assombrar nossa democracia caso ela venha a ser reconstruída antes de uma provável ruptura.

Tudo indica que, na terça (7), o presidente terá a tão sonhada foto com a qual imagina: multidões em Brasília e na Avenida Paulista bradando que "Supremo é Povo". De qual povo estamos falando, porém? Trata-se da base social do bolsonarismo: seu corpo são membros das forças de segurança, inclusive milicianos, e indivíduos da base do agro (fazendeiros e caminhoneiros), além de alguns pequenos comerciantes dos grandes centros que, cansados da bandidagem, não se importam de serem achacados por PMs em troca de, por exemplo, lanches gratuitos. Seu espírito é o segmento evangélico (aliado com alguns católicos conservadores) que se considera imbuído da missão de salvar o país de tudo aquilo que não é visto como cristão.

Um corpo podre em espírito de porco: eis o resumo do bolsonarismo e quiçá do Brasil atual. Caro morador da Zona Sul carioca e da Zona Oeste paulista: faça um exame de consciência (mas sem a ajuda de seu psicanalista cuja consulta não sai por menos de R$ 500) e pense nas inúmeras vezes em que você se sentiu superior a sua empregada doméstica evangélica, zoou quem liga para o Fala que Eu te Escuto (programa de proselitismo religioso da Record TV), e achou que todo PM é canalha.

Chegou a hora da vingança: a empregada e o PM podem estar prestes a passar fome (se é que já não estão com o estômago vazio), mas terão seu espírito alimentado pelo bolsonarismo que conquistou a batalha de corações e mentes -- não da maioria, mas de um número suficiente de brasileiros para levar adiante uma ruptura institucional. Podemos morrer de fome, mas todos estaremos livres do "comunismo" do STF e da oposição graças à figura do capitão ungido pelo Deus dos medíocres que até hoje ironizamos.

Não as empregadas, mas seus pastores; não os soldados, mas seus coronéis e generais chegaram ao poder e, neste 7 de Setembro, pretendem consolidá-lo. Senão neste Dia da Pátria, têm todas as condições de fazê-lo num golpe de fato, apoiado por praças da PM e alguns oficiais que já deixaram claro que, entre os governadores e o presidente, ficarão de lado do Chefe Supremo das Forças Armadas.

O erro das elites mais esclarecidas (não obstante todo seu racismo e mediocridade intelectual, elas existem) foi achar que Bolsonaro se curvaria a seus controles e que, caso não se submetessem aos Donos do Poder, o presidente acabaria como Jânio Quadros e Fernando Collor. O primeiro, em 1961, esperava que o povo lhe apoiaria num autogolpe. O segundo, em 1992, convocou a população às ruas para apenas descobrir que o Brasil tinha o abandonado para iniciar seu processo de impeachment semanas depois.

O que Bolsonaro confirmará neste 7 de Setembro? Muito provavelmente que não conta com a maioria, mas, sim, com uma base aguerrida e armada o suficiente para colocar o Brasil aos seus pés ou, numa hipótese ainda mais macabra, no rumo de sua primeira guerra civil em escala nacional. Não bastaram as quase 600 mil vidas ceifadas pela covid. Bolsonaro quer mais sangue, os tais 30 mil mortos citados na entrevista de 1999.

O que se segue não é uma opinião, mas uma análise -- ou seja, não é o que eu defendo, mas a mais fria constatação dos fatos à luz da história. Talvez tenhamos passado do ponto em que não seja mais possível nos livrarmos de Bolsonaro e neutralizarmos o bolsonarismo dentro das quatro linhas da Constituição. Procurem na internet a expressão "General Lott", acompanhada por "Retorno aos Quadros Constitucionais Vigentes" e vocês entenderão o que estou falando.

Diante da covardia de Rodrigo Maia entre 2019 e 2021 e, depois, de Arthur Lira, seu sucessor como presidente da Câmara dos Deputados, entra para o cenário um impeachment aprovado a toque de caixa e costurado com o apoio de comandantes militares. Tal como o impedimento dos presidentes Café Filho e Carlos Luz em 1955, talvez essa seja a solução a ser pactuada pelas elites para nos livrar de um mal maior.

Como bem relata a Agência Senado, "a diferença entre os casos de Luz e Café e os de Collor e Dilma é que nos episódios de 1955 não se seguiu a Lei do Impeachment (Lei 1.079/1950). Os deputados e os senadores entenderam que a situação era extremamente grave, com risco de guerra civil, e finalizaram os julgamentos em poucas horas, sem dar aos presidentes o direito de se defenderem na Câmara e no Senado".

Café Filho (presidente da República) e Carlos Luz (presidente da Câmara, que substituiu Café Filho por motivo de saúde) se articulavam para impedir a posse de Juscelino Kubitscheck, então presidente eleito. Hoje, Bolsonaro ameaça ministros do STF e diz que não reconhecerá a muito provável derrota em 2022. Há mais de seis décadas, o golpe foi adiado em oito anos.

O atual presidente pode deixar o poder por uma via ou outra, mas as forças antidemocráticas que o sustentam continuarão a nos assombrar pelo menos até o fim desta década. O golpe está em marcha. Seu sucesso ou não, seja neste 7 de Setembro ou daqui a alguns anos, dependerá menos da coragem bolsonarista que da covardia dos democratas.

* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em Relações Internacionais por Oxford e leciona na FAAP e em cursos MBA da FGV.