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OPINIÃO

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Sob Bolsonaro, Brasil se fecha para o mundo na ONU

Jair Bolsonaro discursa na 76ª Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) - Eduardo Munoz-Pool/Getty Images
Jair Bolsonaro discursa na 76ª Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) Imagem: Eduardo Munoz-Pool/Getty Images

Colunista do UOL

21/09/2021 12h36Atualizada em 21/09/2021 13h53

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* Vinícius Rodrigues Vieira

Além das esperadas referências à visão de mundo de seus seguidores, o presidente Jair Bolsonaro acabou por fechar o Brasil ainda mais ao planeta durante seu discurso de abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Foram raras — para não dizer inexistentes — as referências para além das fronteiras nacionais. Assim, o país, que figura entre as maiores populações, economias e extensões territoriais do mundo, confirma que renunciou a qualquer papel relevante na era pós-globalização.

Bolsonaro chegou a mencionar a participação brasileira em missões de paz da ONU e nosso histórico em receber refugiados. E só. Nenhuma menção a eventuais contribuições para a governança climática e econômica — áreas-chave num mundo em que a tentação de fechar fronteiras sobrepõe-se cada vez mais à escolha racional de aprofundar a integração entre nações.

Na linguagem acadêmica, o Brasil de Bolsonaro conforma-se em ser um rule-taker em vez de ser um rule-maker — ou seja, esperamos passivamente que terceiros definam normas da sociedade internacional que nos afetam em vez de nos engajarmos como protagonistas. Em geral, analistas apontam que, desde o fim do governo Lula, o Brasil teria adotado uma política externa menos ambiciosa que aquela exercida no mandato daquele presidente e seu antecessor, o tucano Fernando Henrique Cardoso.

Porém, o fechamento brasileiro atinge níveis sem precedentes sob Jair Bolsonaro. Nenhuma menção, por exemplo, à necessidade de reformar o Conselho de Segurança da ONU. O presidente contentou-se em agradecer nossa eleição como membro rotativo para o biênio 2022-23. Sobre a questão climática, agiu como um servo prestando contas mentirosas a seus senhores.

Na economia, tentou escamotear a tragédia da pandemia anunciando oportunidades de investimento que ele mesmo afasta com sua incompetência e golpismo. Sequer anunciou a doação de vacinas a países pobres, tal como havia sido cogitado até horas antes da abertura da Assembleia Geral.

Não é o discurso nem são as criticáveis políticas domésticas, mas as ações bolsonaristas em política externa que fecharam o Brasil ao mundo. Ignoramos nosso espaço geográfico de modo sem precedentes desde a redemocratização. A América do Sul está à deriva desde o fim abrupto da UNASUL em 2018. Desde aquele ano, a região está sujeita a um vácuo de liderança ocupado não apenas por China e Estados Unidos, mas também por concorrentes regionais do Brasil, notadamente o México do populista de esquerda López Obrador.

Portanto, quando o assunto é política externa, o governo Bolsonaro não é péssimo por causa de seu alinhamento ideológico. Trata-se de pura incompetência derivada da falta de repertório do presidente e dos formuladores de política externa mais próximos, inclusive o chanceler Carlos França, um diplomata, vamos dizer assim, muito discreto para o posto que ocupa.

Ou seja, no cenário internacional, somos gado, pois nos limitamos a reagir ao toque do berrante das potências que dão as cartas no jogo das relações exteriores. Nenhuma proposta, nenhuma ideia: o líder de um movimento de ultradireita é um zero à esquerda.

Não basta a vergonha de ouvir o presidente defender no púlpito da Assembleia Geral um tratamento precoce que jamais teve respaldo científico. Assistimos embasbacados ao pior chefe de Estado da nossa história hipotecar nossa dignidade no concerto de nações e, portanto, o futuro de nossos filhos. Temo que a reversão do estrago bolsonarista na política externa seja trabalho de um século. Quiçá em 2121 sejamos novamente levados a sério pela comunidade internacional.

* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em relações internacionais por Oxford e leciona na Faap e em cursos MBA da FGV.