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Brasil bolsonarista vai à cúpula do clima só para escocês ver
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* Vinícius Rodrigues Vieira
Começa no domingo (31) a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática, a COP. Realizada em Glasgow, na Escócia, o encontro chega a sua 26ª edição e é mais importante para o lugar do Brasil no mundo pós-pandemia que a cúpula do G20, grupo das 20 economias mais importantes do planeta.
Enquanto a reunião do G20, realizada em Roma, durante o fim de semana, tende a enfocar questões conjunturais, a COP tem o potencial de dar novas diretrizes de médio e longo prazo para combater as mudanças climáticas e, portanto, impor novos parâmetros ao desenvolvimento sustentável.
No entanto, o presidente Jair Bolsonaro optou por participar apenas da cúpula do G20. Nada ilógico para quem ganhou a alcunha de "vereador federal" nas redes sociais, graças a sua predileção por temas e atos paroquiais, inclusive a inauguração de pontes de curta extensão. Na COP, as posições brasileiras serão encabeçadas pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite.
Num primeiro momento, parece uma estratégia para fortalecer o Brasil nas negociações que ocorrerão durante a cúpula. Uma análise mais detalhada, porém, sugere que se trata de apenas um arremedo para que a imagem do país no mundo não piore ainda mais — se é que é possível ir além do status de pária ambiental, conquistado com louvor pela administração bolsonarista.
As posições que o Brasil pretende defender na COP são para escocês ver. Nada aleatória, essa frase repete a expressão "para inglês ver", cuja origem, embora incerta, ecoa as leis que restringiam a escravidão no século XIX, mas não acabavam com ela. Tratavam-se apenas de arranjos para reduzir a pressão do Reino Unido — cujas principais nações constituintes são Inglaterra e Escócia — para encerrar o tráfico de seres humanos da África para as Américas, visto como um entrave à expansão capitalista propiciada pela Revolução Industrial.
Guardadas as devidas proporções, a questão climática é análoga à escravidão no século XIX: mobiliza interesses econômicos transnacionais enquanto não pode ser desvencilhada de questões éticas e filosóficas, pois impacta nosso destino como humanidade. No século XXI, o mundo não é mais aquele em que uma única potência — como o Reino Unido do século XIX — tem poder para ditar novas regras internacionais — justas ou injustas. O concerto das nações há muito não é unipolar ou exclusivamente europeu, tampouco ocidental, muito embora as nações do Atlântico Norte ainda desfrutem de maior status nas relações internacionais em relação ao restante do globo.
Assim, países classificados como potências emergentes ganharam proeminência na política internacional do pós-Guerra Fria. Inicialmente vista como um processo que satisfazia sobretudo interesses ocidentais, a globalização dos anos 1990 em diante abriu espaço para o crescimento econômico de nações como Brasil, China e Índia, os quais se tornaram no começo deste século atores diplomáticos relevantes.
Foi nesta condição que, ao lado da África do Sul, esses três países formaram o BASIC, grupo que limitou a influência de Estados Unidos e União Europeia na conclusão da 15ª COP, realizada em Copenhague, na Dinamarca. Doze anos depois, relutamos em coordenar nossas posições com países com interesses similares, além de termos retrocedido à defesa de nossas posições sob uma lógica em que noções tradicionais de soberania imperam de modo absoluto.
Somente isso explica que a delegação brasileira que vai à Escócia prometerá que o Brasil pretende neutralizar suas emissões de gases do efeito estufa até 2050, enquanto ignora que, em 2020, sua contribuição para a geração de gases poluentes cresceu quase 10% — isso num cenário que caminha para uma estagflação.
Aparentemente, estamos pensando no longo prazo. Na verdade, o bolsonarismo ambiental (parece oxímoro, mas ele existe!) consiste em lançar uma cortina de fumaça na inútil esperança de aliviar sua imagem de pária perante o mundo. Independentemente do Brasil, novas metas e regras surgirão. Caberia a um governo sério trabalhar diplomaticamente para moldá-las ao máximo à luz de nossos interesses.
A agenda de Bolsonaro na Itália prevê sua visita à Basílica de Santo Antônio, em Pádua. A esse santo, de origem portuguesa e bastante venerado entre católicos do Brasil, atribui-se a seguinte frase: "Quem não pode fazer grandes coisas, faça ao menos o que estiver na medida de suas forças; certamente não ficará sem recompensa". Se isso que testemunhamos é o melhor que Bolsonaro pode oferecer no papel de chefe de Estado e, portanto, líder máximo de nossa diplomacia, o presidente faria imenso favor caso reunciasse ao cargo ou ignorasse temas de política externa.
Enquanto 2022 não chega, assistimos a decisões para escocês ou, melhor dizendo, para inglês ver. Não é a primeira vez que isso ocorre em nossa história diplomática. Fiquemos, por ora, com outra frase que teria sido proferida por Antônio de Pádua: "A paciência é o baluarte da alma, ela a fortifica e defende de toda perturbação". Não há melhor definição para o bolsonarismo: uma doutrina que corrói o corpo e o espírito, e, portanto, a natureza e a política.
* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em relações internacionais por Oxford e leciona na Faap e em cursos MBA da FGV.
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