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Entendendo Bolsonaro

OPINIÃO

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Chapa Lula-Alckmin pode trazer equilíbrio de volta ao país

Geraldo Alckmin e Lula em inauguracao da fábrica em Palmital (SP), em 2014 - Zanone Fraissat/FOLHAPRESS
Geraldo Alckmin e Lula em inauguracao da fábrica em Palmital (SP), em 2014 Imagem: Zanone Fraissat/FOLHAPRESS

Colunista do UOL

09/12/2021 11h03

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* Warley Alves Gomes

O Brasil precisa de equilíbrio. Após três anos de governo Bolsonaro, marcados pelo desequilíbrio, incompetência e perversidade, essa é a necessidade imperativa do país. 2022 provavelmente será o ano mais crucial da nossa história recente, ao menos desde a redemocratização. No pleito presidencial, estará em jogo o prosseguimento, ou não, da máquina de destruição bolsonarista.

Há um fato que não pode ser menosprezado: para ser eleito em 2018, Bolsonaro precisou reagrupar um conjunto plural de demandas, articuladas em uma percepção ampla de país — ainda que "ampla" não signifique, necessariamente, inteligente ou propositiva. O fracasso de seu governo reside na contradição interna, e nem sempre evidente, de que se em 2018 milhões de eleitores viram em Bolsonaro o seu representante, ao chegar ao poder, o presidente, com seu narcisismo, não podia representar, ou mesmo perceber, coisa alguma a não ser ele próprio.

Em 2022, ainda que num contexto inteiramente distinto, o vencedor terá de realizar proeza semelhante à de Bolsonaro, ou seja, montar uma candidatura que possa reagrupar um novo conjunto de demandas. A princípio não parece difícil, mas eleições são algo complexo e, para ganhar, não basta inteligência, mas uma refinada articulação entre estratégia e sensibilidade.

Se essas duas palavras podem ser encontradas em uma pessoa, essa pessoa é o ex-presidente Lula. Se há um elogio a ser feito a Lula ele está no seu caráter de grande estrategista, um político habilidoso e pragmático. E pragmatismo talvez seja a palavra-chave desse texto. Uma palavra concreta, com densidade prática, o contrário da artificialidade da expressão "terceira via", que não passa de uma fantasia, pois nunca existiu desde a redemocratização. Em eleições no Brasil, o que se nota é sempre a disputa acirrada entre dois candidatos, enquanto outros ocupam um lugar satélite no pleito.

Pois bem, em um movimento de pura habilidade e pragmatismo político, Lula, de olho em 2022, vem se aproximando do ex-rival Geraldo Alckmin. O que começou como boato vem ganhando forças na última semana e começou a dar nó na garganta de petistas e aliados e nos companheiros do, até então, psdbista Geraldo Alckmin. Existe no ar um certo constrangimento que contrasta com as declarações dos envolvidos: se antes se atracavam, agora, menos tímidos, surgem os afagos, elogios.

Senhoras e senhores, a política é feita de jogo pesado e o lugar do militante idólatra é o do palhaço do circo: faz todo mundo rir enquanto por dentro se entristece. No caso em questão a coisa é mais séria: precisa, com urgência, do analista, pois, sem ver que faz papel de palhaço, insiste em ser malabarista e busca, a todo custo, justificar as escolhas de seu ídolo, sempre as adequando ao seu foco ideológico.

Se Lula se aproxima de Alckmin, a justificativa é uma só: pragmatismo. Essa é, no entanto, somente a ponta do iceberg. O que está imerso é muito mais interessante, pois mostra que, mais que uma escolha momentânea e adequada à situação, é, na verdade, o sintoma de um movimento que Lula e o PT vêm fazendo desde os anos 1990 e com maior força a partir de 2022: um afastamento gradual e consciente das demandas de suas bases sociais.

Não que Lula tenha aversão ao povo. Não creio nisso. Até acredito que ele de fato queira melhorar as condições de vida das camadas populares. Mas se há algo de que Lula gosta mais do que o povo é o poder. Foi por ele que Lula foi cada vez mais capitalizando o próprio PT, mantendo a seu lado pessoas como Gleisi Hoffmann e Lindbergh Farias, sempre dispostos a massagear o ego do ex-presidente e assim ganhar espaço no partido.

E é esse movimento pragmático em direção ao centro, ou mesmo à centro-direita, que vem conduzindo Lula a aproximar-se de Alckmin. É verdade que isso já foi feito em 2002, quando José Alencar, na época filiado ao PL (ao qual Bolsonaro se filiou nos últimos dias), se tornou vice de Lula, mas a coisa agora tem um sabor um pouco diferente.

O primeiro ponto é que Alckmin ocupa um lugar simbólico muito diferente do de Alencar: foi uma das lideranças do maior rival político do PT por mais de uma década, o PSDB. Qualquer pessoa que reflita sobre a política do final dos anos 1990 e os anos 2000, imediatamente, pensaria no antagonismo entre os dois partidos, que dominou o cenário nacional. Isso por si só traz um risco maior à imagem do PT que a aliança com Alencar.

Um segundo ponto precisa ser analisado. Com a iminente saída de Alckmin do PSDB, os rumores apontam sua entrada no PSB como a mais provável. Embora o PSB tenha mantido certa estabilidade nas últimas eleições, passando de 34 cadeiras em 2014 para 32 em 2018, as movimentações no partido apontam para um possível crescimento em 2022, trazendo para seu núcleo nomes como Flávio Dino e Marcelo Freixo.

O cenário nacional também tende a mudar significativamente. Enquanto em 2018 o PSL, na esteira do bolsonarismo, saltou de 1 para 52 deputados, nada indica que isso ocorrerá em 2022. Muito pelo contrário, a saída de Bolsonaro do partido provavelmente acarretará na diminuição do partido, embora eu não aposte em sua irrelevância.

Já o PSD, capitaneado por Gilberto Kassab, tende a crescer, visto a habilidade política deste e o destaque ganho na CPI da Covid por membros como Omar Aziz, presidente da CPI, e Otto Alencar. Embora tenham quase sempre apoiado o Planalto nas votações na Câmara e no Senado, o partido vem se afastando de Bolsonaro, já visando as eleições de 2022.

É de olho nesse cenário que Lula vem se aproximando de Alckmin. O bolsonarismo jogou o país para a direita, consolidando um movimento que já vinha se formando desde 2013. Em 2022, ao que tudo indica, ainda que Bolsonaro saia do poder, a demanda por medidas econômicas liberalizantes permanecerá e terá em deputados do MDB, PP e PSD fortes representantes.

O ex-presidente sempre procura nadar conforme a maré e vai conduzindo o partido rumo ao centro, afastando-se ainda mais da esquerda. O próprio Haddad, em encontro com empresários disse que o PT não era de esquerda, mas de "centro-esquerda" .

Ter Alckmin de vice, para Lula e o PT, é dar mais um aceno não só para o mercado, mas também para parte da direita brasileira. No mínimo, pode levar a um provável apoio de antigos psdbistas em um 2º turno, como é o caso de Fernando Henrique Cardoso, que já indicou apoiar Lula, caso o adversário nessa situação seja Bolsonaro.

No âmbito das composições viáveis, certamente, é difícil pensar numa chapa mais capaz de restaurar algum equilíbrio à vida política brasileira do que a aliança Lula-Alckmin. Mas, obviamente, os desafios são grandes, assim como as incertezas. Após a queda de Bolsonaro, o bolsonarismo deixará de impactar a política brasileira? Não creio. O Lula e o PT que voltariam ao poder tampouco seriam os mesmos de 2002.

Teremos um novo boom das commodities que permitiu o crescimento econômico da "era Lula"? Também parece improvável. E, finalizando o mandato, em 2026, Alckmin e o PSB continuariam no lugar de vice de algum candidato do PT? O ex-governador de São Paulo sempre teve intenções de ser presidente.

Muitas dúvidas no ar, mas uma coisa me parece certa: com a chapa Lula-Alckmin o Brasil deve ganhar, mas as esquerdas perdem e a renovação se fará ainda mais urgente. O PT deve, gradualmente, seguir rumo ao centro. Desfecho esperado quando se olha para a história do partido.

* Warley Alves Gomes é doutor em História pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente leciona no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais - Campus Avançado Arcos. Também se dedica à escrita literária, tendo estreado com a publicação do romance O Vosso Reino, uma distopia realista que remete ao Brasil contemporâneo.