Topo

Entendendo Bolsonaro

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro é o exemplo máximo de quem não consegue aprender

6.jan.2022 - O presidente Jair Bolsonaro (PL), durante sua live semanal - Reprodução/Facebook
6.jan.2022 - O presidente Jair Bolsonaro (PL), durante sua live semanal Imagem: Reprodução/Facebook

Colunista do UOL

11/01/2022 09h29

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

* Cesar Calejon

Segundo Paulo Freire, patrono da educação brasileira e um dos pensadores mais notáveis de toda a pedagogia mundial, aprender é "o processo constante de criação do conhecimento e de busca da transformação-reinvenção da realidade pela ação-reflexão humana".

Ou seja, para aprender é preciso promover transformações — internas e de ordem psíquica, bem como externas que afetam a própria composição da realidade — e ser capaz de tolerar a frustração de ser contrariado para repensar o uso das escolhas que foram feitas anteriormente. Nesse sentido, Bolsonaro é o representante absoluto das pessoas que simplesmente não conseguem aprender.

Ao longo das últimas semanas, o presidente brasileiro estimulou aglomerações durante as suas férias, incentivou ataques contra as instituições nacionais (Anvisa e o sistema eleitoral, por exemplo) e seguiu desacreditando a ciência, dessa vez por meio do desincentivo à vacinação das crianças brasileiras.

Assumindo essas posturas, sobretudo no que diz respeito ao combate à pandemia, Bolsonaro não alterou um milímetro sequer as suas posições desde que assumiu a presidência da República, apesar de ter desidratado de forma veemente: foi eleito em outubro de 2019 com 57.797.847 votos (55,13%) do total válido e hoje aparece, segundo recente pesquisa do PoderData, com apenas 24% de "bom/ótimo" e 57% de "ruim/péssimo", na avaliação dos entrevistados — o que, em ampla medida, explica o sucesso da adesão à vacinação no Brasil.

Mesmo quando comparado com os outros líderes direitistas do mundo, tais como Trump, Duterte ou Boris Johnson, Bolsonaro apresenta um nível ímpar no que diz respeito à estupidez e à incapacidade de aprender com base na própria experiência.

Trump perdeu a eleição em 2020 e mudou de ideia: hoje reivindica para si os benefícios da vacinação nos Estados Unidos. Duterte, apesar de ser um líder autocrático doentio e extremamente violento, quer usar a sua truculência para mandar prender quem negar a imunização. Johnson também voltou atrás. Após adoecer de covid-19, repensou as próprias decisões, tolerou a frustração das críticas que recebeu e se posicionou a favor da vacina. Todas essas figuras políticas estão hoje vacinadas.

Bolsonaro, presidindo um país que atinge a marca de 620 mil mortos pela covid-19, segue negando a vacina e propagando todos os tipos de absurdos. O presidente, que tem, notoriamente, problemas gástricos, não aprendeu sequer a mastigar: "eu não como, eu engulo", disse ele, tentando justificar a internação da semana passada.

Por mais surreal que seja a forma como Bolsonaro se conduz publicamente, todos temos amigos, parentes ou conhecidos que agem da mesma maneira. São pessoas arrogantes, incultas e limítrofes. Combinação que produz um efeito perigosíssimo: para muito além de apresentarem dúvidas com relação a questões básicas, elas têm certeza de que sabem e estão convencidas daquilo que dominam e, portanto, não precisam aprender ou mudar.

Do "terraplanismo" às "urnas eletrônicas fraudadas", da "vacina que dá AIDS" à cloroquina, dos "objetivos da Anvisa" com a vacinação infantil aos planos comunistas para dominar o Brasil. Vale absolutamente tudo, contanto que a narrativa sirva para promover a guerra cultural, criar o caos e impedir o processo legítimo de aprendizagem e esclarecimento da população.

Exatamente por esse motivo, Bolsonaro não pode, tal como deseja o diretor-geral Antonio Barra Torres, se retratar com a Avisa, ou repensar as suas falas sobre a pandemia e rever alguma dimensão da sua atuação política. Para chegar ao segundo turno das eleições presidenciais, ele precisa seguir radicalizando a sua base, mantendo-se fiel ao que fez e disse até aqui, e tentando cooptar as forças políticas (centrão, que já está comprado, mas pode abandoná-lo dependendo do nível do desgaste) e forças policiais para resolver a contenda na força, o que, em última análise, gera uma situação paradoxal típica às pessoas que se negam a aprender e a evoluir.

Radicalizar a sua base implica, necessariamente, duas consequências: diminuí-la para um número cada vez menor e mais alucinado de cidadãos que endossam a conduta promovida pelo genocídio bolsonarista e ampliar ainda mais a ojeriza que sente a imensa maioria da população.

No que diz respeito às forças policiais, as promessas de Bolsonaro também seguem essa mesma lógica: os efetivos deverão pressionar os governadores estaduais por meio de greves e outras medidas restritivas, o que poderá gerar um caos completo na área da segurança pública poucos meses antes da eleição presidencial. Somada às crises econômica, política e sanitária que acometem o Brasil atualmente, o caos completo em mais essa área seria o prego na tampa do caixão bolsonarista.

Incapaz de aprender para se adaptar, nesse ritmo o bolsonarismo segue rumo ao desfecho que foi conferido a todos os líderes e movimentos sociopolíticos dessa natureza que o precederam: a derrota vexaminosa e a lata de lixo da história. Felizmente, a maior parte da população brasileira é, sim, capaz de aprender para evitar que um governo semelhante jamais se produza novamente no país.

* Cesar Calejon é jornalista, com especialização em Relações Internacionais pela FGV e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela USP (EACH). É escritor, autor dos livros A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI (Kotter) e Tempestade Perfeita: o bolsonarismo e a sindemia covid-19 no Brasil (Contracorrente).