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Movimentos de Moro e Doria favorecem Bolsonaro e Ciro

Ciro Gomes (PDT) participou de conferência com presidenciáveis - Reprodução
Ciro Gomes (PDT) participou de conferência com presidenciáveis Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

01/04/2022 14h23

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* Raul Galhardi

Movimentações políticas realizadas nos últimos dias indicam um afunilamento, que já era previsível, da disputa presidencial. A filiação do ex-juiz Sergio Moro ao União Brasil, sigla que nasce da fusão de DEM e PSL, e a crise sem precedentes no PSDB, com a frágil sinalização de João Doria de que manterá a sua candidatura ao Planalto, indicam que a polarização veio para ficar. Olhando de fora, Ciro Gomes, por sua vez, vê uma sobrevida para o seu projeto de "terceira via".

A expectativa no União Brasil é de que Moro concorra a uma vaga na Câmara dos Deputados. Já era dito no meio político que, se o ex-juiz não conseguisse chegar a abril com dois dígitos nas pesquisas de intenção de voto para presidente, era provável que ele disputasse um cargo proporcional, possivelmente no Senado.

Moro vinha sendo levado a desistir das suas pretensões presidenciais no seu ex-partido, Podemos. De acordo com o Painel da Folha, a presidente do Podemos, Renata Abreu, teria relatado a aliados não estar disposta a investir financeiramente numa campanha à Presidência.

Outro fator que teria influenciado a decisão de Moro foi a pressão que teria sofrido de senadores da sua ex-sigla para que ele mudasse seu domicílio eleitoral do Paraná. Segundo informa a coluna do Metrópoles, na avaliação desses políticos, Moro teria dificuldades para executar um eventual "plano B" estando vinculado ao Paraná, caso realmente desista de ser candidato ao Palácio do Planalto. Se o ex-juiz decidisse concorrer ao Senado pelo estado, ele também entraria em conflito com o senador Alvaro Dias, líder do Podemos na Casa e pré-candidato à reeleição.

Mesmo com o novo recuo de Doria, que reafirmou sua pré-candidatura à Presidência, o fato é que a sua posição se encontra muito fragilizada com a falta de apoio dentro do seu próprio partido e é provável que ela não se efetive devido às pressões internas de Eduardo Leite, com quem concorreu nas prévias do partido; de Aécio Neves, que desejaria usar os recursos do Fundo Eleitoral para eleger deputados e senadores pela sigla; e ao seu desempenho pífio nas pesquisas de intenção de voto ao Planalto.

Fundo eleitoral e candidaturas à Presidência

O União Brasil já nasce com vocação muito semelhante à de partidos como o MDB, que focam suas forças e recursos na disputa por cargos proporcionais buscando consolidar grandes bancadas para manter seu poder de influência seja qual for o governo do momento e ser o fiel da balança quando necessário. Essa vocação se dá até mesmo pelo seu tamanho e divisões regionais, como também ocorre com o MDB, que no Nordeste, principal reduto eleitoral do ex-presidente Lula (PT), tende a apoiar o petista.

Essa postura de priorizar os recursos em candidaturas proporcionais tem encontrado mais respaldo pela conjuntura imposta desde 2017, quando foi criado o Fundo Eleitoral. Desde então, os partidos políticos no Brasil precisam analisar de forma ainda mais cuidadosa se vale a pena ou não lançar uma candidatura à Presidência, já que a quantidade de recursos que cada sigla receberá deste fundo está vinculada ao seu número de deputados e senadores eleitos para o Congresso.

O fundo foi idealizado após o Supremo Tribunal Federal ter declarado inconstitucional o financiamento eleitoral por pessoas jurídicas em 2015. Diante da impossibilidade de doações de empresas e com a limitação das contribuições privadas por pessoas físicas, a classe política resolveu adotar o financiamento público.

A distribuição dele ocorre da seguinte forma: 2% é dividido igualmente a todos os partidos; 35% é distribuído na proporção de votos obtidos para a Câmara, desde que se tenha eleito ao menos um deputado; 48% de acordo com o número de deputados federais eleitos; e 15% em função do número de representantes no Senado Federal. Os valores são entregues às agremiações partidárias a cada dois anos, nas eleições gerais e municipais.

Após o fiasco da candidatura de Geraldo Alckmin (PSB; na época, PSDB) à Presidência em 2018, que teve apenas 4,7% de votos resultando no pior desempenho da história do PSDB, acendeu-se um sinal de alerta nos partidos. A campanha tucana gastou mais de R$ 53 milhões, quantia que, além de não ter eleito Alckmin, poderia ter sido usada em parte ou integralmente nas campanhas de candidatos à Câmara e ao Senado. O resultado disso foi uma queda no número de deputados eleitos pelo PSDB, de 54 em 2014 para 29 em 2018.

Essa seria uma das razões pelas quais a ala do partido ligada a Aécio pressiona a sigla a não lançar a candidatura de Doria à Presidência. O mineiro, que defendeu Eduardo Leite nas prévias da legenda, disse em entrevista ao UOL News que uma candidatura do governador de São Paulo poderia impactar a sobrevivência do partido. "O PSDB pode virar um nanico", declarou.

A decisão de Aécio e sua ala de defender Leite teria sido motivada por um duplo propósito: barrar a candidatura de Doria, seu desafeto, e deixar aberta a possibilidade do partido não ter candidato ao Planalto em 2022 para compor com alguém do centro, eventualmente ocupando a vaga de vice, o que seria mais fácil, na visão dos aecistas, com Leite, deixando assim espaço aberto para a aplicação de recursos nas candidaturas proporcionais como a do próprio Aécio.

Quem ganha, quem perde

Com a ida de Sergio Moro para o União Brasil para provavelmente disputar um cargo proporcional e com uma possível desistência de Doria na disputa para a Presidência, se não agora, futuramente, abre-se espaço para Ciro Gomes (PDT) se consolidar com a única candidatura de "terceira via" minimamente viável.

A tarefa do ex-governador do Ceará, entretanto, não é fácil, como já foi discutido nesta coluna. As pesquisas de intenção de voto têm indicado que cerca de 70% do eleitorado estaria dividido entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e Lula (PT). Portanto, a faixa de eleitores "nem nem" (que não desejam nenhum dos dois) restringe-se a aproximadamente 30% de eleitores. Caberá a Ciro conseguir unir em torno de sua candidatura nomes e grupos políticos que, em sua maioria, pouco ou nada têm em comum consigo e com seu projeto de país.

Esses acontecimentos recentes também podem beneficiar Bolsonaro, para quem provavelmente migrará a maior parte dos votos de Moro caso o ex-juiz realmente desista de suas pretensões presidenciais. Também deverão ser transferidos para ele uma parte dos votos dos hoje pré-candidatos de direita e centro-direita à medida que estes forem desistindo de suas candidaturas. O MDB, partido cuja vocação é buscar se fortalecer por meio da eleição de grande número de deputados e senadores, não deverá levar a cabo a candidatura da senadora Simone Tebet, que estaria conversando com Ciro e Doria.

Portanto, diante dessas movimentações recentes na política, pode-se chegar a algumas conclusões:

  • A polarização, compreendida como a existência de dois polos não necessariamente equivalentes, já que o PT está no espectro da centro-esquerda, enquanto o bolsonarismo é uma ideologia de extrema-direita, impõe-se mais uma vez nas eleições brasileiras e dificulta o crescimento de nomes na "terceira via";
  • João Doria, enfraquecido dentro do seu partido, é empurrado cada vez mais a migrar para outras legendas, como o União Brasil, e há inclusive a possibilidade de que possa abandonar a vida política;
  • Sergio Moro vai gradativamente perdendo protagonismo político. De "símbolo do combate à corrupção" virou juiz suspeito para julgar Lula; ministro de Bolsonaro; pré-candidato à Presidência; e agora provável candidato a deputado federal.
  • Ciro Gomes vai se consolidando como o único candidato de terceira via minimamente viável;
  • Os votos de Sergio Moro e de outros pré-candidatos de direita e centro-direita que desistirão pelo caminho irão ser repartidos entre Bolsonaro, Ciro e os "brancos e nulos", com uma provável fatia maior dos hoje votantes em Moro retornando a Bolsonaro, o que reforça novamente a polarização.

O diagnóstico é de que, muito provavelmente, teremos poucas surpresas neste pleito, com o segundo turno se concretizando entre a centro-esquerda petista e a extrema-direita bolsonarista. Nada de novo parece estar no horizonte.

* Raul Galhardi é jornalista e mestre em Produção Jornalística e Mercado pela ESPM-SP