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OPINIÃO

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Lançamento da chapa Lula-Alckmin tem clima de Diretas Já

7.mai.2022 - Com a mão direita, apoiador forma a letra L, em referência ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), durante evento de lançamento da pré-candidatura do petista ao Planalto, no Expo Center Norte, em São Paulo - Aloisio Mauricio/Estadão Conteúdo
7.mai.2022 - Com a mão direita, apoiador forma a letra L, em referência ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), durante evento de lançamento da pré-candidatura do petista ao Planalto, no Expo Center Norte, em São Paulo Imagem: Aloisio Mauricio/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

07/05/2022 11h05

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* Cesar Calejon

Conforme aproximam-se as eleições presidenciais e as principais pesquisas de intenção de voto seguem indicando a derrota de Jair Bolsonaro nas urnas, o bolsonarismo vem aumentando os seus esforços de cooptação, sobretudo no que diz respeito aos partidos do "centrão" e de parte das Forças Armadas, para perpetrar um golpe na democracia brasileira. Nesse sentido, o lançamento da chapa Lula-Alckmin, que acontece hoje (7), em São Paulo, é o movimento que mais se assemelha ao que foram os atos das Diretas Já, que aconteceram entre março de 1983 e abril de 1984 e resultaram no fim da ditadura militar.

O evento reúne, em ampla medida, a maior parte do campo democrático nacional. A própria união de Lula e Alckmin tem um peso simbólico neste sentido: dois antigos rivais políticos que se uniram no momento em que a democracia brasileira está derradeiramente ameaçada.

Intitulado "Vamos Juntos Pelo Brasil", o ato deste sábado traduz a formação de uma frente ampla pela democracia e traz, além de falas de Lula e Alckmin — este último se manifestando via vídeo por ter sido diagnosticado com covid-19 — a participação de presidentes e lideranças políticas do PT, PSB, PCdoB, Solidariedade, Rede, PV, PSOL, movimentos sociais, centrais sindicais e diversas personalidades públicas, entre artistas, intelectuais, líderes religiosos e empresários.

Neste sentido, Ciro Gomes, o terceiro colocado nas pesquisas, poderia exercer uma função fundamental para isolar, ainda mais, o bolsonarismo. Com pequenas diferenças, todas as pesquisas apresentadas nas últimas semanas demonstraram que Lula e Bolsonaro estarão no segundo turno das eleições em 2022. A única possibilidade de mudança real neste cenário seria a desistência de Ciro, o que poderia significar a eleição do ex-presidente petista ainda no primeiro turno.

Fundamentalmente, em todas as pesquisas recentes, Lula aparece com algo entre 41% e 45% das intenções de voto, enquanto Bolsonaro apresenta entre 28% e 32%, principalmente após a desistência de Sergio Moro. Neste contexto, Ciro ganha um papel importantíssimo.

Pontuando consecutivamente na casa dos 8% ou 9%, Ciro não tem chances de ir ao segundo turno em 2022, ainda que PSDB, MDB, Cidadania e União Brasil o apoiem. Uma eventual desistência do pedetista, contudo, exerceria para a campanha de Lula, muito provavelmente, o mesmo efeito que a retirada de Moro registrou sobre a campanha de Bolsonaro: um incremento da ordem de 5%, ou talvez mais, o que, neste caso, potencializaria a vitória de Lula sem que fosse necessário um segundo turno, poupando a sociedade do caos prometido prometido por Jair Bolsonaro.

Vale dizer, ainda, que os benefícios desse ato de grandeza política não seriam somente direcionados ao ex-presidente Lula e à ala democrática da população. No médio prazo, o próprio Ciro e o PDT seriam os maiores beneficiados. Eu explico.

A disputa pela Presidência da República pode ser comparada a uma complexa ultramaratona, muito mais do que a uma corrida de cem metros. Nesta contenda, títulos acadêmicos, torque intelectual, bagagem cultural, capacidade administrativa, cargos prévios e outros atributos desta ordem constituem apenas parte da equação necessária à vitória, porque, ao fim e ao cabo, quem decide o eleito, no regime democrático, é a maioria da população brasileira. Ou seja, carisma e senso de coletividade são indispensáveis. Entender esta premissa é um aspecto fundamental para quem deseja pleitear o cargo.

Lula tem 76 anos e deverá buscar um sucessor definitvo a partir da segunda metade do seu próximo eventual madato. Ciro tem 64 anos, muita experiência política e muita inteligência. Um recuo tático com esse nível de nobreza frente ao momento dantesco no qual o Brasil está mergulhado faria, quase certamente, com que os eleitores de Lula passassem a considerar o ex-governador do Ceará como uma das principais alternativas sucessórias para 2026. Neste caso, Ciro faria frente a Fernando Haddad.

Ser capaz de manobrar é um aspecto fundamental não somente na guerra armada, conforme salienta Sun Tzu no seu manual A Arte da Guerra, mas também na guerra política. Segundo o general chinês, este é um princípio complexo e, portanto, frequentemente negligenciado por conta de fatores negativos relativos ao espírito humano, considerando que a mudança é um dos elementos mais difíceis de se aplicar, principalmente quando o líder encontra-se em algum posto de poder.

João Doria, que aparece com algo entre 2% e 3% de intenções de votos, percebeu este movimento e declarou que Lula é diferente de Bolsonaro e que o respeita. Geraldo Alckmin, que durante toda a sua trajetória política atacou Lula, mudou de estratégia e encontra-se bem posicionado para assumir a vice-presidência da República. Já Ciro segue no ataque contra o petista, o que, indiretamente, favorece o bolsonarismo.

Conforme eu argumento neste artigo, reavaliar esta postura ainda antes do pleito presidencial poderá fazer a diferença para a vitória do campo democrático diante do golpe sombrio que está à espreita, mas, sobretudo, pode significar a diferença entre o caminho até a Presidência da República ou rumo ao ostracismo político para Ciro Gomes ao longo dos próximos anos. Esquecer as mágoas passadas e juntar-se à luta pela democracia seria mais produtivo, em vários sentidos.

* Cesar Calejon é jornalista, com especialização em Relações Internacionais pela FGV e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela USP (EACH). É escritor, autor dos livros A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI (Kotter), Tempestade Perfeita: o bolsonarismo e a sindemia covid-19 no Brasil (Contracorrente) e Sobre Perdas e Danos: negacionismo, lawfare e neofascismo no Brasil (Kotter).