Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Bolsonaro expõe ao mundo arquitetura do golpe
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
* Vinícius Rodrigues Vieira
Mais que uma ópera-bufa, o encontro do presidente Jair Bolsonaro (PL) com embaixadores em Brasília para criticar o sistema de votação brasileiro expôs pela primeira vez uma certeza: o atual chefe do Executivo não apenas quer dar um golpe, mas tem um plano claro para fazê-lo.
Esqueçam a hipótese de ele deixar de concorrer à reeleição. Faz parte do roteiro golpista apresentar-se ao eleitorado, perder como um mártir e, em seguida, acusar fraude eleitoral. Tampouco importa se a derrota virá no primeiro ou no segundo turno. A situação está assaz perigosa para que os críticos ao atual regime façam ativismo de sofá.
Bolsonaro deixou claro que não confia no sistema eleitoral e, portanto, qualquer resultado que não seja sua vitória não será aceito. Ademais, conta com o apoio do Ministério da Defesa e, supostamente, de altos comandantes militares em tal empreitada.
Vamos entrar na mente do presidente. Várias vezes ele faz questão de frisar que é o comandante-em-chefe das Forças Armadas. Terminada a apuração dos votos e confirmada sua muito provável derrota para Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Bolsonaro poderia invocar a interpretação canhestra do artigo 142 da Constituição Federal e ordenar que militares intervenham na Justiça Eleitoral via Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e no Supremo Tribunal Federal (STF) de modo a reequilibrar os poderes.
Diz o artigo: "As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".
Na lógica bolsonarista, o Judiciário — na figura do TSE e do STF — afronta o Poder Executivo. Afinal, como o presidente já acusou, o ministro do STF e ex-presidente do TSE Edson Fachin teria trabalhado à frente da corte eleitoral para eleger Lula. Bolsonaro também já disse que o atual presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, age buscando favorecer seu principal oponente.
O cenário vendido por Bolsonaro aos mais fanáticos vai ao encontro da interpretação do jurista conservador Ives Gandra Martins acerca dos potenciais usos do artigo 142, tema que venho abordando nesta coluna há mais de dois anos. Deixo claro que não considero que Martins venha a apoiar um golpe — seria leviana qualquer afirmação nesse sentido. Tal como na literatura, porém, as interpretações do direito ganham muitas vezes vida própria.
Em artigo de 2021, Martins diz que "se houvesse um conflito entre o Poder Executivo e qualquer dos outros poderes com claro ferimento da Lei Maior, sem outro remédio constitucional, o presidente não poderia comandar as Forças Armadas na solução da questão, se fosse o poder solicitante, e, pois, parte do problema. Nessa hipótese, caberia aos comandantes das Três Armas a reposição da lei e da ordem".
Ou seja, na leitura de Martins, os comandantes militares seriam detentores, na prática, de um poder moderador — prerrogativa que as forças disputam com o Judiciário, conforme já expliquei nesta coluna. Com o alinhamento do ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, às teses bolsonaristas, não é difícil concluir de que lado os militares que comandam as tropas se colocariam. Pela lógica, portanto, a intervenção pontual poderia implicar em anular as eleições.
Cabe ressaltar que Nogueira falou em recente audiência no Congresso que o protagonista do processo eleitoral são o povo e o TSE. Rechaçou ainda que as Forças Armadas queiram revisar o resultado das urnas. Na prática, porém, tem o discurso crítico ao sistema de votação alinhado àquilo que Bolsonaro vem pregando. Ademais, estava previsto que falasse aos embaixadores depois do presidente no evento de ontem (18).
As ambiguidades de Nogueira são uma faca no pescoço da sociedade. Enquanto isso, a oposição faz campanha preocupada em ultrapassar Bolsonaro em número de seguidores em redes sociais — no melhor estilo dos ativistas de sofá.
Quantas divisões possui Anitta, apoiadora de Lula? Essa pergunta deve pairar retoricamente na cabeça do presidente enquanto ele avança a passos largos em seu óbvio plano de não deixar o poder em 1º de janeiro de 2023. A resposta é óbvia: nenhuma. Enquanto isso, o atual mandatário conta com o beneplácito do ministro da Defesa para desferir ataques ao sistema eleitoral e, portanto, consolidar a caminhada golpista.
Quantas divisões possuem hoje os democratas? Temo concluir que nenhuma. As poderosas deste show de horrores não são aquelas da Anitta, mas as vivandeiras subservientes àquele que sequer é digno da alcunha de capitão — quiçá de comandante-em-chefe.
* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em relações internacionais por Oxford e leciona na Faap e em cursos MBA da FGV.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.