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Entendendo Bolsonaro

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Motociatas simbolizam a inépcia e o caráter fascista do bolsonarismo

23.jul.2022 - O presidente Jair Bolsonaro (PL) participa de motociata na orla de Vila Velha, no Espírito Santo. - RENATO CABRINI/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
23.jul.2022 - O presidente Jair Bolsonaro (PL) participa de motociata na orla de Vila Velha, no Espírito Santo. Imagem: RENATO CABRINI/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

06/08/2022 11h35

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* Cesar Calejon

Em quase quatro anos como presidente da República e, fundamentalmente, durante toda a sua atividade parlamentar ao longo das últimas décadas, Jair Bolsonaro foi incapaz de apresentar qualquer projeto no sentido de contribuir para o desenvolvimento do Brasil.

Sequer no âmbito das abstrações, ou seja, meramente por meio de ideias que não são explicadas de forma compreensível no que diz respeito à aplicabilidade, métodos, resultados etc., Bolsonaro jamais colaborou de forma produtiva no sentido de avançar algo significativo. Invariavelmente, ele se apresentou com base no ódio, na violência, no racismo, na discriminação, na misoginia e pautado por emoções e raciocínios destrutivos de todas as ordens.

Neste contexto, a motociata de hoje (6), que acontece em Recife, é outro símbolo da inépcia, da falta de projetos para o país por parte do governo e do caráter fascista da gestão bolsonarista.

No Brasil, as motociatas foram iniciadas pelo bolsonarismo no ano passado e, por algumas razões, servem aos propósitos específicos deste movimento sociopolítico. Dentre elas, destaco que:

(1) Uma moto ocupa muito mais espaço físico do que um militante bolsonarista, o que ajuda, imensamente, a criar a ilusão de que Bolsonaro ainda conta com o apoio das massas;

(2) A despeito de contar com uma crescente adesão do público feminino, as motos ainda são majoritariamente usadas por homens, público central do atual governo;

(3) De muitas maneiras, remetem à ideia de rebeldia (antissistema), força e virilidade;

(4) Durante a motociata, debates ou a exposição de ideias mais elaboradas são impossíveis, basta acelerar a máquina e posar para a foto, o que facilita, imensamente, a vida de Bolsonaro, considerando as dificuldades e limitações cognitivas e culturais que o presidente brasileiro demonstrou reiteradamente.

De acordo com Alessandra Swan, autora da publicação intitulada "Photographing Mussolini: the making of a political icon", as motos serviam perfeitamente bem aos ideais do fascismo italiano "e Mussolini fazia questão de ser fotografado dirigindo as motocicletas ou próximo delas, porque isso transmitia valores como virilidade e violência".

Dadas as devidas idiossincrasias de cada época e cultura, o bolsonarismo carrega inúmeras características em comum com o fascismo italiano. Desde que assumiu a chefia do Executivo, Bolsonaro e membros do seu gabinete fizeram menções diretas a diversos símbolos e discursos correlatos ao nazifascismo da primeira metade do século passado.

Uma diferença importante, contudo, é a proximidade explícita do bolsonarismo com a religião. Enquanto Mussolini assumiu uma postura anticlerical e se declarou ateu, concebendo a religião como uma espécie de doença mental que deveria ser endereçada pela psiquiatria, Bolsonaro foi eleito e se manteve no poder muito em razão do elemento pseudocristão de seu discurso. Neste sábado, além da motociata, o presidente brasileiro participa da Marcha para Jesus do Recife.

Ao reunir esses elementos, Bolsonaro segue avançando a sua proposta neofascista religiosa no sentido de inviabilizar os debates, evitar que sua ausência completa de projetos para o país seja notada de forma mais enfática e ainda consegue, de quebra, fidelizar uma parcela mais dogmática e incauta da população de olho na vaga para o segundo turno das eleições.

* Cesar Calejon é jornalista, com especialização em Relações Internacionais pela FGV e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela USP (EACH). É escritor, autor dos livros A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI (Kotter), Tempestade Perfeita: o bolsonarismo e a sindemia covid-19 no Brasil (Contracorrente) e Sobre Perdas e Danos: negacionismo, lawfare e neofascismo no Brasil (Kotter).