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São Paulo caminha para dar sobrevida ao bolsonarismo com Tarcísio

O candidato a governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos) - Marcelo Camargo/Agência Brasil
O candidato a governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos) Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Colunista do UOL

01/10/2022 18h28

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* Vinícius Rodrigues Vieira

Salvo uma onda vira voto de última hora, o reinado de três décadas do PSDB em São Paulo deve ter seu fim decretado neste domingo (2). O preço que os paulistas estão dispostos a pagar, porém, pode se revelar demasiado elevado para o Estado, o país e o mundo.

Caso a última pesquisa Datafolha sobre a disputa pelo governo do Estado se confirme, o candidato bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos) — que até este ano jamais tinha residido no Estado — passará ao segundo turno com cerca de 31% dos votos válidos, tendo, assim, chances significativas de vencer no fim de outubro o líder das pesquisas, o petista Fernando Haddad, que por ora conta com 39% dos sufrágios que não sejam nem brancos nem nulos.

Na maioria das pesquisas, Tarcísio — que aparentemente não gosta de ser chamado pelo sobrenome — já aparecia numericamente à frente de Rodrigo Garcia, governador que busca a reeleição após ter chegado ao cargo com a renúncia do titular João Doria (PSDB), que teve suas pretensões presidenciais sepultadas pela inveja de seus pares e por uma rejeição do eleitorado, fenômeno que ainda merece melhor explicação da parte de especialistas em eleições e opinião pública.

Muito embora tenha sido percebido negativamente por muitos eleitores, o movimento BolsoDoria, de 2018, não parece ter sido suficiente para explicar a ojeriza do eleitorado a um político que fez com louvor sua parte durante a pandemia ao comprar as vacinas desprezadas pelo patrão de Tarcísio e que entregou crescimento acima da média nacional.

Eis que o Tucanistão — no dizer de certa esquerda que até poucos anos atrás rotulava qualquer adversário de fascista — tem, portanto, certa chance de regredir e virar um Bolsonaristão — ou Bolsonazistão, na definição de Wilson Gomes. Tarcísio afirma que vai governar com técnicos, mas pede ao eleitor paulista, na prática, um cheque em branco: o que garante que, caso eleito, ele não dará guarida na máquina pública estadual a militares, pastores, milicianos e demais aspones que hoje se locupletam em Brasília?

Preocupa-me, em particular, a abordagem na área de educação adotada pelo ex-ministro de Bolsonaro. Teremos pastores à frente de um já combalido ensino básico no Estado? As universidades públicas mantidas com o ICMS pago por aqueles que residem em São Paulo terão sua autonomia respeitada? E as iniciativas de proteção a minorias: ficarão elas nas mãos de uma Damares? Não custa nada lembrar que Tarcísio é afiliado a um partido que é considerado o braço da Igreja Universal do Reino de Deus na política.

Com uma performance medíocre à frente da prefeitura de São Paulo entre 2013 e 2017, Haddad perdeu a reeleição para Doria já no primeiro turno, em meio à ressaca do impeachment de Dilma Rousseff, que afetou a competitividade do PT em 2016. Porém, uma eventual vitória do petista não lhe entregaria um cheque em branco. Isso porque não apenas o eleitor sabe o que esperar de uma gestão liderada pelo PT, mas também em virtude do apoio do ex-tucano e candidato a vice-presidente na chapa de Lula, o ex-governador Geraldo Alckmin, que ficou à frente do Palácio dos Bandeirantes entre 2001 e 2006 e de 2011 a 2018.

Acima de tudo, porém, a vitória de Haddad sobre Tarcísio seria crucial para desidratar o bolsonarismo. Sem cargos e acesso ao segundo maior orçamento público do país — atrás apenas da União —, a coalizão que sustenta o atual presidente tende a perder força e, portanto, capacidade de fazer barulho para se manter competitiva eleitoralmente até 2026.

Seria salutar que Garcia anunciasse apoio a Haddad, o que me parece pouco provável, exceto caso o PSDB e seu principal parceiro na coligação estadual, o União Brasil, se deem conta que o espaço à direita na política nacional tende a ser dominado pelo bolsonarismo se esse movimento político triunfar na disputa pelo governo paulista.

Assim, os "fascistas" de ontem para o PT podem assegurar não somente sua viabilidade eleitoral no próximo quadriênio, mas também dariam uma contribuição e tanto à democracia. Nesse sentido, é necessário dizer que Haddad, ao manifestar clara preferência a enfrentar Tarcísio do que Garcia no segundo turno, pode ter dado um tiro no pé e outro de raspão na República ao abrir as portas para que o bolsonarismo cresça nas terras bandeirantes.

Com verniz de gestor, Tarcísio é o corpo onde o vírus bolsonarista pode se hospedar e replicar nos próximos quatro anos. O Estado cuja capital carrega em sua bandeira, em latim, o lema "não sou conduzido: conduzo" deixará se levar pelas águas turvas do fascismo à brasileira?

Certa vez, em 1999, o primeiro governador tucano Mario Covas disse que São Paulo jamais viraria as costas para o Brasil. Ao eleger Tarcísio, o Estado poderia quiçá mudar a frase contida em sua insígnia: "pelo Brasil façam-se grandes coisas". Afinal, passar cheque em branco para um bolsonarista raiz representa o suprassumo da pequenez.

* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em relações internacionais por Oxford e leciona na Faap e em cursos MBA da FGV.