Moro e Judiciário entram em conflito por liberação de presos
Somados aos embates entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, as medidas de enfrentamento ao novo coronavírus têm provocado também conflitos entre o ministro da Justiça, Sergio Moro, e membros do Poder Judiciário.
O embate envolve a liberação de presos por crimes menos graves, devido aos riscos da pandemia. A recomendação foi feita pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) aos tribunais de Justiça e não tem caráter obrigatório.
O objetivo, segundo o órgão, é se antecipar a uma suposta contaminação em massa da população carcerária e de comunidades no entorno.
Entre as sugestões, está a reavaliação de prisões provisórias, especialmente para grupos vulneráveis, como grávidas, mulheres que amamentam, portadores de deficiência e indígenas.
O conselho também recomenda que os magistrados reavaliem casos de prisões preventivas e optem pela prisão domiciliar para presos em regime aberto ou semiaberto.
Moro não tem escondido sua preocupação com a medida. Durante coletiva com o ministro da Saúde, no último dia 31, Moro defendeu que detentos não sejam colocados em liberdade "indiscriminadamente" por conta da pandemia.
O ex-juiz federal chegou a citar um exemplo falso de um homem que teria sido preso novamente, com armas e drogas, após ter sido solto devido à pandemia.
O ministro também declarou, em entrevista à Folha, no dia 20 de março, que "não podemos, a pretexto de proteger a população prisional, vulnerar excessivamente a população que está fora das prisões".
"Alguns fazem a proposta de soltar todos os presos que não tenham sido condenados por violência ou grave ameaça. Estamos falando de todo tráfico de drogas, basicamente. Grande parte dos grandes traficantes foram condenados só por tráfico. E vamos soltar todos os traficantes do país? Não faz sentido", afirmou.
O STJ (Superior Tribunal de Justiça) também mandou soltar, nas últimas duas semanas, todos os detentos que poderiam estar em liberdade, mas seguem presos por não terem pago fiança, e os detidos por atraso no pagamento de pensão alimentícia.
Um ministro de corte superior ouvido pelo UOL reservadamente reprovou as declarações de Moro. Para ele, discutir a liberação de presos não é uma competência do ministro.
"Quem decide sobre prisão é juiz, que tem competência para isso. O que ele pode fazer é projeto de lei. No mais, dar conselho, só se for para o presidente, já que ele é a maior autoridade jurídica do governo", afirmou.
Autoridades que participaram de reuniões com Mandetta contam que o ministro da Saúde tem demonstrado preocupação com o sistema carcerário. O receio é de que haja uma contaminação em massa, caso nenhuma medida seja tomada.
Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), até esta sexta-feira, foram contabilizados 113 casos suspeitos de coronavírus em presídios brasileiros. Nesta quinta, um policial penal lotado no Complexo Penitenciário da Papuda, no Distrito Federal, testou positivo.
Para o juiz auxiliar da presidência do CNJ, Antonio Carlos de Castro Tavares, as críticas sobre as medidas são compreensíveis, mas explica que não são um "salvo-conduto" para que os presos cometam novos crimes.
"Entendemos muito bem as críticas da sociedade, elas têm o seu lugar e fazem parte do ambiente democrático, mas esta é uma questão de saúde pública e não uma vontade de soltura deliberada. As liberações devem ser avaliadas com parcimônia pelos juízes, caso a caso", afirmou.
Sobre as declarações de Moro, o juiz respondeu que o ministro tem mudado de posição e ponderado as recomendações do CNJ.
"A visão que ele tem é um pouquinho diferente da nossa, mas os dias vão passando e as pessoas vão raciocinando juntas. Estamos caminhando para uma convergência", afirmou.
De acordo com o magistrado, o CNJ ainda não tem um balanço de quantos presos já foram liberados por conta das recomendações.
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