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Crise Climática

REPORTAGEM

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Brasil já enfrenta impactos das mudanças climáticas, diz relatório da ONU

200 municípios decretaram situação de emergência no Rio Grande do Sul até agora devido à estiagem - Gustavo Mansur/Palácio Piratini
200 municípios decretaram situação de emergência no Rio Grande do Sul até agora devido à estiagem Imagem: Gustavo Mansur/Palácio Piratini

Colaboração para o UOL, em São Paulo

03/03/2022 04h00

Esta é parte da versão online da edição desta quinta-feira (03/03) da newsletter Crise Climática, que discute questões envolvendo a emergência climática, como elas já afetam o mundo e quais são as previsões e soluções para o futuro. Para assinar o boletim e ter acesso ao conteúdo completo, clique aqui

O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU) lançou esta semana o documento mais completo já feito sobre os impactos da crise do clima. O texto tem dois diferenciais em relação a outros relatórios do IPCC. O primeiro é não tratar tanto do futuro, mas dos impactos que já ocorrem em um mundo que está, por enquanto, 1,1°C mais quente do que antes da revolução industrial. Outra novidade é a análise dos impactos de eventos combinados, como quebras de safras simultâneas em diferentes regiões do mundo.

O conjunto de impactos para o Brasil (leia um resumo aqui) terá efeitos devastadores para a economia. Segundo o IPCC, o PIB per capita do país já é 13,5% menor desde 1991 do que seria sem o aquecimento causado pelas atividades humanas. E a economia brasileira está entre as mais expostas aos impactos do clima em outros países, em decorrência, por exemplo, de colapsos nas cadeias de fornecimento globais.

Insegurança alimentar

A diminuição na produção de alimentos no Brasil é um dos principais alertas do documento. De acordo com um estudo citado pelo relatório, a safra de milho pode cair 71% até o final do século no Cerrado se as emissões continuarem a aumentar e 38% se as emissões fossem reduzidas muito rapidamente. A probabilidade de perda de 10% ou mais da safra em vários lugares do mundo em um mesmo ano aumenta para 86% no cenário de emissões em alta, indica outro estudo citado.

Bovinos e suínos, raramente expostos a estresse térmico no Brasil, estarão sob risco no futuro em várias partes do país durante quase todo o ano se as emissões continuarem a subir, a exemplo do que já está acontecendo com a produção de aves.

Neste cenário, a acidificação e o aquecimento do mar se intensificariam ao ponto de extinguir a produção de crustáceos e moluscos no país entre 2050-2070. O aumento das emissões também reduzirá a produção de peixes em 36% neste mesmo período em relação ao previsto para 2030-2050.

Impactos na Amazônia

As áreas do Nordeste sujeitas à seca seguirão crescendo em um cenário de emissões mais altas, com a previsão de que as chuvas diminuam 22% neste século na região. As secas se tornarão mais frequentes também no sul da Amazônia, reduzindo a vazão na bacia do Tapajós em 27% neste século e em 53% na bacia do Araguaia-Tocantins. Ao mesmo tempo, Acre, Rondônia, Sul do Amazonas e Pará são as principais regiões onde haverá aumento de inundações frequentes ou extremas.

"O relatório do IPCC expõe que a vida humana está em perigo e a importância de começarmos a nos adaptar", afirma Walela Txai Suruí, fundadora do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia. "A Amazônia será um dos locais mais atingidos pelo aumento da temperatura, e dentro dos territórios indígenas isso está sendo sentido. Nas últimas chuvas tivemos pontes levadas pela água e estradas que dão acesso às aldeias alagadas."

"As informações que estão sendo apresentadas pelo IPCC demonstram tudo aquilo que, assim como os cientistas, nós, os Povos Indígenas, já vínhamos alertando há um bom tempo", afirma Beto Marubo, membro da Organização Representativa dos Povos Indígenas da Terra do Vale do Javari. Para ele, a reação da sociedade brasileira a esse conjunto de riscos é "tímida ou mesmo omissa".

"Não por acaso, o presidente da República tem como meta deste ano legislativo aprovar tudo que é nefasto à natureza", diz Marubo. "A comunidade nacional, as pessoas comuns, têm que entrar nessa luta e pressionar as autoridades para que não haja um retrocesso como o que estamos vendo todos os dias no Congresso Nacional."

E o que mais você precisa saber

haboob argentina paraguai - Reprodução - Reprodução
Tempestade de areia sobre o estádio Defensores del Chaco, em Assunção, no Paraguai
Imagem: Reprodução

Haboob na Argentina e no Paraguai

Talvez você se lembre das tempestades de areia que avançaram sobre amplas áreas de Cerrado desmatadas no Sudeste e no Centro-Oeste do Brasil após a intensa estiagem do ano passado. Agora, Argentina e Paraguai estão testemunhando o mesmo e raro fenômeno em áreas de Chaco também desmatadas para dar lugar a monoculturas, como as da soja. A Argentina viveu recentemente uma onda de calor inédita, que levou a vários incêndios florestais, o que pode ter contribuído para a ocorrência da tempestade de areia agora.

Mariana e Brumadinho

As mineradoras tinham até o dia 25/2 para desativar as barragens classificadas como de "altíssimo risco" em Minas Gerais, de acordo com a lei "Mar de Lama Nunca Mais", agora desmoralizada. Como as empresas não fizeram nada neste período, ganharam um novo prazo: setembro de 2027, em troca de multas, que pelo histórico, podem simplesmente nunca serem quitadas. E a Vale achou pouco: responsável por 30 barragens a montante no estado - como aquelas que se romperam em Brumadinho (2019) e Mariana (2015) - a empresa diz que só vai desativar essas verdadeiras bombas em 2035.

Você conhece?

Enquanto a maior parte do jornalismo migra para o "opinialismo", quem segue fazendo reportagem investigativa merece atenção. O jornalista Maurício Angelo faz a mais completa cobertura do país sobre os impactos da mineração. Em artigo recente, o seu Observatório da Mineração apresentou evidências de que a Vale estaria praticando "terrorismo de barragem" ao usar o risco de rompimento de suas estruturas para assustar comunidades, comprar suas terras a preços baixos e ampliar projetos. Siga para acompanhar mudanças de lei, investimentos perigosos e os crimes praticados neste setor.

Chuvas intensas

A Austrália sofreu uma "bomba de chuva" que pode ter chegado a uma intensidade de 150 mm em 24 horas em Brisbane, no estado de Queensland. Nove pessoas morreram em decorrência das inundações. A região e outras cidades do país, como Sidney, ainda estão sob alerta para chuvas extremas. O evento lembra o desastre de 2011 na região, quando 33 pessoas morreram. Apesar de possivelmente mais intensa agora, menos pessoas foram afetadas nestas chuvas devido à adoção de medidas de adaptação.

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A Europa apostou e perdeu ao eleger o gás russo como seu combustível-ponte para uma transição energética renovável. A ideia que já era ruim, porque o gás é poluente, ficou pior pela instabilidade política do petro-estado russo. Especialistas afirmam que ainda há tempo para que os europeus deixem de financiar com a compra do gás uma guerra destrutiva para o continente e, de quebra, cortem suas emissões.

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