Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Torcidas virtuais de ministros do STF se alimentam de notícias falsas
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Já não basta torcer para um time de futebol e para uma escola de samba. O brasileiro de 2022 parece pressionado a escolher quem apoia, defende e torce dentro do STF (Supremo Tribunal Federal). Engraçado seria se o racha criado dentro da mais alta corte do país, envolvendo sobretudo os ministros Alexandre de Moraes e Kássio Nunes Marques, não estivesse regado por notícias falsas e não provocasse ódio. Nos últimos dias, a boataria chegou a níveis inaceitáveis.
Levantamento feito entre checadores de fato mostra que, desde o início deste ano, ao menos onze notícias falsas sobre Moraes viralizaram em redes sociais e aplicativos de mensagens. Isso dá uma média de uma mentira a cada 15 dias. Não é pouco.
Não me importa sua opinião sobre como foi criado nem como tramita o inquérito das "fake news". Não me importa o que você acha das demais decisões de Moraes. É preciso que você sabia, no entanto, que ele não "fez teste de popularidade" nesta semana e que esse falso teste "não deu ruim" para ele, como afirmam milhares de publicações por aí. É antigo, de 2016, o vídeo em que o então Secretário de Segurança Pública de São Paulo aparece sendo vaiado na Avenida Paulista e não houve evento semelhante desde que Moraes entrou no STF. Os que requentam esse material como se de 2022 fosse não passam de desinformadores.
Também é falsa a fotografia que viraliza por aí mostrando uma faixa que teria sido usada durante o "salve geral" do PCC pedindo uma vaga para Moraes no STF. Os checadores já mostraram mais de uma vez que se trata de uma montagem. Pare, portanto, de repassá-la a amigos e familiares. Ninguém ganha com isso.
Do outro lado do campo de batalha das redes sociais, está o ministro Nunes Marques. E com ele é o mesmo. Não importa sua opinião sobre a sentença referente à cassação do deputado Fernando Francischini ou qualquer outra. É urgente que você saiba algumas verdades.
É falso, por exemplo, que Nunes Marques "impediu a extradição de Cesare Battisti". Quem o fez foi o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, depois de o STF decidir que era prerrogativa do Executivo se posicionar sobre o caso. Também é indevido dizer que Nunes "aprovou compras de lagosta" no STF, como afirmam postagens em redes sociais. Em nota, a corte já explicou dezenas de vezes que o responsável pelas contratações feitas pelo tribunal é o diretor-geral do STF e que são necessárias quatro etapas para a aquisição de produtos.
Mas o Fla-Flu que se arma nas redes sociais prefere ignorar tudo isso. Assim como acontece no futebol ou no sambódromo, o que prevalece é a emoção, a vontade de eliminar o time oposto e de sair vitorioso. No STF, no entanto, isso é impossível. Magistrados não deveriam ter times nem torcidas (e isso já tinha ficado claro com o ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro).
Essa boataria envolvendo o Supremo não é, no entanto, novidade. Em 2015, durante o julgamento do mensalão, a euforia era grande, mas os times eram outros: o de Joaquim Barbosa e o de Ricardo Lewandowski. Quem não se lembra aí das acusações de chicana e das trocas de farpas transmitidas ao vivo pelos principais canais de televisão do país.
Naquele tempo, porém, havia menos WhatsApp, menos Telegram e menos redes sociais. As torcidas eram ligeiramente mais offline, em bares e reuniões de família. Mas já estavam lá.
Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso também já estiveram na mira dos desinformadores — em momentos alternados. Há quem realmente acredite que a Avenida Paulista se encheu pedindo o impeachment de Gilmar, que ele nunca advogou, que sua sabatina no Senado foi uma falcatrua e/ou que a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) mandou investigá-lo.
E a falsa alegação de que Barroso confessou ter participado de uma orgia com o ex-ministro José Dirceu em Cuba? Sim! Há quem acredite e espalhe isso.
Nesta semana, já intrigada com esse caos online, entreouvi uma conversa em que duas senhoras de mais de 70 anos educadamente falavam sobre o Supremo. Uma dizia de forma contundente que "os onze ministros eram, na verdade, os chefes do tráfico nos morros do Rio de Janeiro". Mas a outra questionava sem pestanejar: "Espera aí. Mas o Moraes não era o advogado do PCC? Ele consegue fazer tudo isso?"
É isso que acontece quando a desinformação prolifera. Há tantas possibilidades de narrativas (falsas) que ninguém sabe com qual fica. E, no meio de tudo isso, estão não só a reputação dos ministros mas um possível questionamento de todos os julgamentos que a corte tem que levar adiante.
Talvez seja hora de o STF seguir o caminho aberto pelo Tribunal Superior Eleitoral e assumir para si a árdua tarefa de montar um comitê antidesinformação. Fica a dica.
Cristina Tardáguila é diretora sênior de programa do ICFJ e fundadora da Lupa
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