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OPINIÃO

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Desigualdade na educação brasileira gira em torno de gênero, raça e classe

Aluno em sala de aula - Antonio Suarez Vega/Getty Images/iStockphoto
Aluno em sala de aula Imagem: Antonio Suarez Vega/Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

26/05/2022 04h00

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Juliana Matoso Macedo* e Patricia Mollo**

A universalidade ao direito à educação é um consenso social, mas não é uma realidade. Dados da educação básica indicam que as desigualdades educacionais podem ser superadas com políticas públicas de equidade ancoradas —se considerarmos a inseparabilidade estrutural do patriarcado, do racismo e do classismo — na ferramenta analítica da interseccionalidade proposta pelas feministas negras.

No sistema social que estrutura hierarquicamente homens como superiores às mulheres, foram definidas como características do feminino a suposta vocação genética para o sensível, o cuidado e os trabalhos domésticos e, portanto, a esfera privada do lar. Ao masculino, foi atribuída a suposta vocação de provedor, associada a trabalhos remunerados, na esfera pública, que é o espaço político. Assim, toda atividade ligada ao cuidar se apoiava exclusivamente na mulher que, a depender da classe social, o transferia para mulheres negras e pobres, estas sem nenhum acesso a um regime público de cuidados para seus filhos e filhas.

A conquista do acesso ao ensino médio e superior pelas mulheres foi gradativa, já no século XX. Ainda no século XIX, em um ensino dividido em ciclos primário, médio e superior, cabia às mulheres apenas a educação primária. No âmbito da educação formal, após o ensino básico de leitura, escrita e cálculos gerais, as mulheres eram encaminhadas para classes de costura e bordado, ministradas por mulheres, e os homens para classes de geometria e congêneres, ministradas por homens.

Hoje, no Brasil, a proporção de homens e mulheres matriculados na educação básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) reflete o universo da população brasileira, ou seja, não há diferença em termos de matrícula. E, quando se analisa uma série de informações sobre o sistema de educação das últimas décadas, percebe-se uma melhoria contínua, ainda que com intensidades diferenciadas, do financiamento e qualificação dos professores ao acesso, permanência, e aprendizagem dos estudantes. Mas quando se coloca uma lupa nas escolas, dados da educação básica mostram que as desigualdades educacionais brasileiras ainda giram em torno de gênero, raça e nível socioeconômico.

Os resultados da Prova Brasil, que mede a aprendizagem em português e matemática dos estudantes no 5º e no 9º ano, representam um bom termômetro da trajetória histórica das relações de gênero reproduzidas no ambiente escolar. Com relação aos resultados em português no 9º ano, mais meninas conseguem alcançar o nível considerado adequado do que meninos, 39% e 31%, respectivamente. Em matemática, no entanto, a proporção de meninas e meninos no nível considerado adequado se inverte (13% e 20%, respectivamente). As meninas têm mais aptidão para a linguagem e meninos para matemática desde o nascimento? Não! Trata-se de reflexo de uma pretensa vocação construída histórica e socialmente.

Por outro lado, na trajetória geral, os meninos são os que mais reprovam e têm evasão escolar (não se matriculam no ano seguinte), ou seja, representam o maior número com distorção idade-série. Analisando-se dentre os meninos, os autodeclarados pretos, ficam escancaradas as desigualdades educacionais. A diferença com relação ao posicionamento no nível adequado de aprendizagem de português no 5º ano chega a quase 60%. Apenas 20% dos meninos pretos, com baixo nível socioeconômico e reprovação, atingem o nível adequado, frente a 83% de meninas brancas, maior nível socioeconômico sem reprovação. Mesmo considerando aqueles sem reprovação, somente 39% desses meninos pretos alcançaram o nível adequado de aprendizagem de português. Como a Prova Brasil é aplicada apenas em escolas públicas, os percentuais de desigualdade, se considerado o universo de ensino básico no Brasil, tendem a ser bem maiores.

Esse cenário contribui para o déficit na trajetória escolar de meninos, que representam ampla maioria no universo do EJA (Educação de Jovens e Adultos), com menos de 30 anos de idade. Um ponto central é que esse cenário não é equânime entre homens, evidenciando novamente a interseção entre gênero e raça, uma vez que os negros representam 74,9% da EJA do ensino fundamental e 68,1% da EJA do ensino médio. O salto gritante de desigualdades, enfatizando a seletividade racial acima das demais marcações, é identificado quando comparamos a trajetória educacional com a do trabalho. Os melhores números relacionados ao mundo do trabalho estão concentrados nos homens, mas apenas os brancos. Homens negros e mulheres negras vêm de trajetória escolar mais desigual e se inserem no mundo do trabalho de maneira díspar em relação a homens brancos e mulheres brancas.

As discriminações vêm, portanto, desde o início da idade escolar e perpassam todos os espaços da comunidade escolar, interferindo diretamente na formação dessas crianças e adolescentes. Vários estudos de caso demonstram o quão central é o papel da escola no enfrentamento da discriminação e do preconceito e no acolhimento ao processo de equidade de gênero, raça e nível socioeconômico, cabendo ainda discussões específicas sobre a feminização da docência na educação básica e seus reflexos, bem como a luta para a oferta de creches.

As políticas públicas são o epicentro dessas discussões e devem ser avaliadas e reformuladas à luz das informações oficiais produzidas pelo INEP, a partir da identificação das desigualdades educacionais estruturais do País, cujo núcleo gira em torno de gênero, raça e nível socioeconômico. Para tanto, é imprescindível uma concertação nacional, baseada em governança democrática que reposicione, como pauta central de debate, a educação integral; ações antirracistas e as Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e Ensino da Cultura e História Afro-Brasileira; o Sistema Nacional e o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres - Educação Inclusiva; e o acompanhamento das escolas, em todas as suas dimensões, que contam com maioria de estudantes de baixo nível socioeconômico.

* Juliana Matoso Macedo é integrante da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, doutoranda em ciência política pela UnB.
** Patricia Mollo é integrante da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, doutora em comunicação e semiótica pela PUC-SP.
*** Esse texto é fruto de parceria entre a Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ANESP) e a Coluna Diálogos Públicos.