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OPINIÃO

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Às vésperas do fim do mundo

                                 Lula e Bolsonaro competem no segundo turno das eleições, veja números de nova pesquisa sobre números em pernambuco                              -                                 RICARDO STUCKERT E ISAC NóBREGA/PR
Lula e Bolsonaro competem no segundo turno das eleições, veja números de nova pesquisa sobre números em pernambuco Imagem: RICARDO STUCKERT E ISAC NóBREGA/PR

Colunista do UOL

26/10/2022 11h38

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Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes*
Guilherme Antonio de A. L Fernandes**
Gustavo Andrey de Almeida Lopes Fernandes***

No dia 30 de outubro de 2022, o Brasil passará por uma de suas eleições mais importantes de sua história. Será a mais decisiva desde a fundação da democracia moderna brasileira com a Constituição de 1988. O momento requer uma maior reflexão.

A quase uma década de crise política, iniciada com as manifestações de junho de 2013, colocou em xeque os avanços da ordem constitucional democrática.

Influenciado pelo ascensão de uma direita iliberal no mundo, o governo Bolsonaro logrou reintroduzir no centro da agenda do país elementos que haviam permanecido esquecidos desde o fim da Ditadura Militar.

Ranços autoritários ainda presentes em diversos segmentos da população, mesclados numa visão de crescimento econômico baseado no extrativismo e exploração, foram reincorporados numa nova leitura, de fácil acesso à população.

O governo de Jair Messias Bolsonaro foi, assim, uma manifestação recuperada da agenda de parcela dos que perderam nos anos 1980 com o fim da Ditadura Militar. Contudo não é possível dizer que em 2018 essa decisão fosse tão clara ao eleitor brasileiro.

A decisão do voto da eleição original aconteceu em parte dentro da disputa petismo versus antipetismo que estruturou toda a competição política da Nova República, a partir da eleição inaugural de 1989.

O antipetismo foi por vinte anos confundido com o próprio PSDB. Mas o partido do ex-presidente FHC e dos presidenciáveis José Serra e Geraldo Alckmin, hoje na chapa de Lula, nunca teve a capacidade de organizar e estruturar a política brasileira além das fronteiras de São Paulo e Minas Gerais e, portanto, nunca foi o real adversário petista. A ascensão tucana à presidência foi mais consequência de decisões das elites políticas (aprovadas pelo eleitorado brasileiro) - o sucesso do Plano Real - do que propriamente resultado da construção de um apoio eleiotral de base e estruturas partidárias sólidas. O PSDB foi até 2016 um representante da elite progressista liberal do Estado de São Paulo, mas que contava com o voto do eleitorado antipetista que não encontrara no sistema político uma alternativa com chances reais de vitória eleitoral.

A eleição de 2018 foi esse momento singular no qual o antipetismo se libertou das amarras e moderação tucanas e encontrou uma outra liderança de direita com viabilidade eleitoral.

Em uma grande catarse popular, e muito devido ao tão aclamado combate a corrupção, o antipetismo se consolidou na alternativa da candidatura de Jair Bolsonaro.

Importante, no entanto, apontar que o combate a corrupção remonta à própria Constituição de 1988. O ponto de partida da estruturação do combate a corrupção começou com a criação de um Ministério Público autônomo e independente, consolidado na posterior expansão das instituições de controle horizontal, entre elas o sistema composto pelo Tribunal de Contas da União e os Tribunais de Contas Estaduais e, até então, uma Polícia Federal vinculada ao Ministério da Justiça, mas cuja operação era livre e autônoma na prática.

Como já é conhecido da literatura de corrupção, o fortalecimento do seu combate acaba por aumentar a percepção de corrupção, o que gera um aparenente paradoxo: uma sensação de mais corrupção quando na verdade se tem menos. Assim, a expansão das capacidades das instituições de combate a corrupção acabou por prejudicar as próprias lideranças políticas que a possibilitaram - e muitas vezes estimularam esse processo.

Além do mais, com a criação de um aparato de controle mais eficaz e efetivo, formas não republicanas de se fazer a política passaram a não ser mais aceitáveis pela nova institucionalidade. No entanto, pela velocidade do processo, não houve tempo suficiente para que novas formas de se fazer política fossem estabelecidas em bases sólidas.

A catarse do combate à corrupção acabou por eleger não uma liderança que representaria um novo Brasil pós geração da democratização, uma espécie de Pós - Nova República, mas sim o retorno ao poder do grupo derrotado em 1988.

A eleição de Jair Bolsonaro amealhou diversos fluxos que se combinaram no aniversário de 30 anos da Constituição. Se de um lado Jair Bolsonaro foi apoiado pelo lavajatismo e pelo antipetismo de plantão, de outro os militares retornaram à política, agora pela via democrática, reativados pelos julgamentos que trouxeram à tona os crimes da Ditadura nas Comissões da Verdade, e a revolução neopentecostal no Brasil elegeu pela primeira vez um presidente que, embora seja formalmente católico, dialoga de maneira franca e aberta com os novos movimentos religiosos.

O primeiro governo Bolsonaro representou um balanço extravagante de forças políticas que se aliaram no segundo turno de 2018. O lavajatismo representado na figura de Sérgio Moro, as forças liberais de mercado do setor financeiro na figura do wannabe-kaiser econômico Paulo Guedes, o setor agropecuário mais atrasado das franjas amazônicas, o olavismo nas figuras de Ernesto Araújo e Abraham Weintraub, os militares e o grande líder de todos esses movimentos, o presidente Bolsonaro.

Todas esses grupos em algum momento almejaram preponderância sobre os outros e escolheram seus líderes dentro do governo. No entanto, um a um, cada um destes pseudo-líderes das facções internas do governo foram perdendo espaço e se subordinando aos interesses do grande líder.

Sérgio Moro foi humilhado e demitido como Ministro da Justiça. Paulo Guedes atualmente lidera um programa econômico que gasta de maneira descontrolada e mais populista do que o jamais sonhado nos tempos da Nova República. Os militares se mostraram submissos à presidência. Oficiais vindos da ativa mostraram grande incompetência ao liderar o Ministério da Saúde durante a pandemia, perdendo boa parte da credibilidade que haviam recuperado ao longo dos trinta anos de democracia. E, finalmente, o olavismo foi defenestrado sem dó nem piedade do governo, não conseguindo eleger suas principais figuras nas eleições de 2022.

Nas eleições de 2022, portanto, o presidente Bolsonaro concorre defendendo quem ele realmente é, um líder populista com inclinações autoritárias e que representa o retorno ao poder dos perdedores de 1988, indo muito além do que era o antipetismo inicial que pautava a direita tucana. Ou seja, um cenário muito diferente de 2018 quando Bolsonaro foi eleito pelo que ele não era.

O objetivo claro é encerrar o ciclo iniciado em 1988 e começar um novo, não pautado na luta pelo combate a corrupção tal como pensado pelo lavajatismo. Pretende-se assim um novo tipo de governo, pautado por inclinações claramente autoritárias, visando enfraquecer a institucionalidade de controle horizontal, tal como já anunciado pelo atual vice presidente e futuro senador Hamilton Mourão.

Em entrevista após sua eleição já apontou claramente a direção do novo governo, caso eleito, em impedir a Suprema Corte em exercer seu papel de controle constitucional. No final das contas, estabeleceria-se uma nova regra com clara supremacia do Executivo.

O tema da corrupção, por sua vez, foi muito utilizado mas pouco defendido pelo governo. A enorme falta de transparência que pauta as suas ações e o enfraquecimento das instituições de controle são a marca da atual gestão. A atuação subordinada do atual Procurador Geral da República=como um auxiliar do governo e não como um ator independente e chefe de uma instituição não vinculada a nenhum dos três poderes da república, ilustra tal constatação.

E a história recente diz muito sobre líderes eleitos em democracias mas que governam com inclinações autoritárias. A sua primeira eleição pode trazer ameaças à democracia, mas que tendem a ser refreadas pelas instituições contramajoritárias cujo papel constitucional é proteger a sociedade do arbítrio das autoridades eleitas de plantão.

A segunda eleição é onde efetivamente a sociedade é convocada para responder se defende o novo modelo com feições mais autoritárias e apoia o líder político que deseja enfraquecer as instituições de controle. Ou, alternativamente, reforça a carta democrática, demitindo por meio do voto àquele que não se adequou aos parâmetros constitucionais estabelecidos.

Ao longo dos quase quatro anos de governo Bolsonaro, a presidência e seus aliados atuaram colocando sempre em xeque às instituições de controle. A Câmara dos Deputados nos primeiros dois anos, o Senado e a Federação durante a pandemia e ao longo de todo o governo a imprensa livre e o Supremo Tribunal Federal. Quase que diariamente também o presidente e seus subordinados discursaram e mobilizaram seus aliados contra a cúpula do Poder Judiciário e contra o trabalho de denúncia dos malfeitos e equívocos de seu governo feito pela imprensa brasileira, assim como contra as ações do Senado e dos Governadores na defesa de ações de combate ao vírus baseadas em evidências científicas.

Não resta dúvida que o pleito de 2022 tem uma configuração completamente distinta do anterior. Se em 2018 o eleitorado votou em Bolsonaro pelo que ele não era, hoje a população fará um plebiscito sobre o que ele é, enfrentando já uma campanha fortemente desigual, na qual toda a estrutura estatal está sendo mobilizada para angariar apoio ao atual governante.

A decisão que o eleitor tomará em menos de sete dia vai definir se a Carta Constitucional de 1988 deve ser reafirmada e o pacto democrático seguido ou se há apoio majoritário para uma liderança que vocifera contra a democracia e as instituições do Estado Democrático de Direito.

A população já foi convocada para fazer essa decisão em outros países. Líderes populistas com verniz autoritário foram eleitos na Venezuela, Hungria, Turquia e Estados Unidos. Nos três primeiros, o eleitorado chancelou as atitudes antidemocráticas e optou pela manutenção no poder destas lideranças, custando a democracia e o direito de se opor livremente ao governante de plantão. Nos Estados Unidos a escolha foi outro e o eleitorado optou por reafirmar seu amor pela Carta Democrática, demitindo por meio do voto o presidente que não aceitava ser enquadrado por ela.

Logo mais saberemos qual é a preferência do brasileiro. Votaremos pela manutenção da ordem democrática ou mergulharemos no abismo do autoritarismo populista tal qual foi feito na Venezuela, Hungria e Turquia?

*Ivan Filipe de Almeida Lopes FernandesProfessor
de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC

**Guilherme Antonio de A. L Fernandes
Doutor em Direito pela USP. Professor e advogado.

***Gustavo Andrey de Almeida Lopes Fernandes
Professor da FGV - EAESP