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Diogo Schelp

Crise provocada por Moro é marolinha ou ressaca que antecede tsunami?

Presidente Jair Bolsonaro na rampa do Palácio do Planalto -
Presidente Jair Bolsonaro na rampa do Palácio do Planalto

Colunista do UOL

29/04/2020 13h02

"E daí?" Jair Bolsonaro deu de ombros mais uma vez. Recorde de mortos por covid-19? Brasil supera a China em vítimas da doença? O presidente tem uma boa dose de responsabilidade por tudo isso, afinal fez e faz o possível para atrapalhar as medidas preventivas realmente eficazes contra a epidemia que têm sido adotadas por estados e municípios. Mas ele não se importa.

A previsão do presidente de que o novo coronavírus não teria grande impacto no Brasil porque nossa população é mais jovem e porque nosso clima é mais quente provou-se tragicamente errada — como já haviam alertado os cientistas. Mas ele não está nem aí.

Não é muito difícil entender o porquê. A última pesquisa do Datafolha mostra que ele conserva a aprovação de um terço dos brasileiros. E quem se opõe ao presidente com todas as forças não pode sair de casa e se manifestar. O presidente está livre da pressão das ruas graças às medidas de isolamento que ele tanto critica.

Além disso, até agora Bolsonaro tem tido bons motivos para avaliar que as acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro terão o efeito político de uma marolinha.

No fim das contas, ele conseguiu o que queria: tirou o diretor-geral da Polícia Federal e livrou-se do ministro-estrela que não lhe dava acesso a informações sobre investigações de interesse pessoal.

A nomeação de Alexandre Camaradagem, digo Ramagem, para o comando da PF foi suspensa por liminar concedida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, mas isso pode ser visto como um contratempo passageiro. Em último caso, o presidente encontrará outro diretor-geral que seja igualmente suscetível à sua interferência.

Já a investigação sobre as acusações de Moro, autorizadas pelo ministro do STF Celso de Mello, tem um longo caminho a percorrer antes de se tornar efetivamente danosa ao presidente — e, até lá, tem potencial para respingar também no acusador.

Enquanto isso, Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, deixa claro que dar andamento a um dos mais de 30 pedidos de impeachment de Bolsonaro não é sua prioridade. Para além de todas as razões práticas (foco na pandemia, popularidade do presidente), Maia não quer perder o apoio dos deputados do centrão, que vêm sendo assediados com indicação de cargos por Bolsonaro.

Para o deputado federal do DEM que se tornou alvo preferencial do gabinete do ódio bolsonarista, faz mais sentido aguardar para ver se a crise iniciada pela demissão de Moro é mesmo só uma marolinha ou a ressaca que precede um tsunami.

O PT, por sua vez, pisou no freio das tentativas de afastar Bolsonaro do poder, por orientação de Lula. A prioridade é queimar Sergio Moro.

Confusão é o estado natural do fazer político de Bolsonaro. Por isso, pode se dar ao luxo de expressar sua indiferença.

A incapacidade do presidente em demonstrar empatia não é novidade. Ele não estava nem aí para a morte da menina Ágatha Félix, no Rio de Janeiro. Também não deu bola para a dor das famílias dos detentos massacrados no presídio de Altamira. Fez pouco caso da tortura e dos assassinatos na ditadura em comentários sobre o pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santos Cruz, e sobre a jornalista Miriam Leitão.

Bolsonaro governa para si e para sua família. Para os filhos, defendeu filé mignon e embaixada nos Estados Unidos. Helicóptero pago com dinheiro público para levar a família ao casamento de um deles e interferência na PF para livrá-los de investigações.

E daí, não é mesmo?

A indiferença presidencial dura enquanto não se souber o tamanho da onda.