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Diogo Schelp

Pressão externa mudou discurso de Bolsonaro para o meio ambiente

Bolsonaro no discurso de abertura da Assembleia-Geral da ONU, em 2019 - AFP
Bolsonaro no discurso de abertura da Assembleia-Geral da ONU, em 2019 Imagem: AFP

Colunista do UOL

21/09/2020 16h52

O presidente Jair Bolsonaro abre, nesta terça-feira (22), a 75ª Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) com um discurso que promete ser, mais uma vez, uma resposta às críticas que o seu governo vem recebendo de outros países e de organizações civis pelo desmatamento na Amazônia e, agora, pelas queimadas no Pantanal. Por causa da pandemia do novo coronavírus, pela primeira vez na história da ONU os discursos dos representantes das nações serão divulgados pela internet em vídeos pré-gravados.

Como já fez na sua fala de 2019, em Nova York, Bolsonaro deve repudiar a pressão internacional como uma tentativa de violar a soberania nacional. Mas, apesar do tom desafiador, o fato é que as críticas externas foram capazes de mudar a retórica de Bolsonaro e dos integrantes do seu governo sobre o meio ambiente — ainda que, em termos práticos, pouco ou nada tenha sido feito.

Como escrevi aqui, correspondências diplomáticas trocadas em 2019 já indicavam uma grande preocupação do Itamaraty com a imagem internacional negativa do governo brasileiro por causa das queimadas daquele ano na Amazônia.

A pesquisadora Janni Posta, em trabalho apresentado em maio deste ano na Universidade Aalborg, na Dinamarca, fez uma interessante análise de discursos e entrevistas de Bolsonaro e membros de sua administração, além do conteúdo de seu programa de governo em 2018, e concluiu que a mudança na maneira de falar sobre a questão ambiental se deu a partir da primeira participação do presidente na ONU, em setembro 2019.

Antes disso, desde a campanha presidencial, a retórica de Bolsonaro em relação ao meio ambiente podia ser resumida em uma frase: "Onde tem uma terra indígena, tem uma riqueza embaixo dela." Nessa e em outras declarações, sua atitude era a de considerar as terras indígenas e as leis ambientais um empecilho para o progresso econômico.

A convicção de que a Amazônia — e as riquezas naturais em geral — deve estar aberta para negócios não desapareceu do discurso de Bolsonaro sobre o meio ambiente, mas passou a vir acompanhada de outros dois conceitos: o de que o governo está comprometido com a preservação ambiental e com o desenvolvimento sustentável e o de que a soberania nacional está sob ataque de países que foram incapazes de manter de pé suas próprias florestas.

A pressão internacional fez o governo Bolsonaro suprimir a retórica de indiferença em relação à destruição ambiental. O discurso que daí emergiu é o de apresentar o Brasil como um campeão do preservacionismo e de classificar a pressão internacional como uma ameaça à soberania nacional.

No discurso deste ano na abertura da Assembleia Geral da ONU, esses dois pilares retóricos, o de associação positiva ("estamos fazendo o melhor") e o de defesa da soberania ("as críticas internacionais são injustas e sustentam interesses ocultos"), serão aplicados não apenas à questão ambiental, mas também para propagandear o desempenho do governo Bolsonaro na gestão da crise econômica e de saúde pública causada pela pandemia de covid-19.

Infelizmente, em diplomacia assim como na política, o discurso muitas vezes está descolado da realidade.