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Diogo Schelp

Por inação, governo cogita integrar rede privada à campanha de vacinação

                                 O Reino Unido começou nesta segunda-feira (4) a aplicar a vacina Oxford-AstraZeneca com o objetivo de acelerar a luta contra a covid-19                              -                                 MARCELO SEGURA/AFP
O Reino Unido começou nesta segunda-feira (4) a aplicar a vacina Oxford-AstraZeneca com o objetivo de acelerar a luta contra a covid-19 Imagem: MARCELO SEGURA/AFP

Colunista do UOL

04/01/2021 16h26

O correto, mesmo, seria ter uma campanha nacional de vacinação contra covid-19 por meio do SUS, totalmente gratuita e com cobertura equânime em todas as regiões do país, com coordenação do Ministério da Saúde. Mas a inação do governo federal — que está demorando demais para dar início à imunização e, quando o fizer, não terá doses suficientes sequer para aplicar em todos os integrantes do primeiro grupo prioritário — incentiva o surgimento de soluções alternativas, ainda que não ideais.

A razão é simples: se o poder público não age para suprir a urgência por vacina, o vácuo tende a ser preenchido por outras iniciativas. A primeira delas é a de governos estaduais, como o de São Paulo, com seus planos de iniciar suas próprias campanhas de vacinação.

A segunda é a das clínicas privadas de vacinação, cuja associação anunciou que está negociando a compra de 5 milhões de doses de um imunizante indiano contra a covid-19, do laboratório Bharat Biotech.

No mês passado, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que foi apresentado aos brasileiros como especialista em logística, descartou a possibilidade de as clínicas particulares poderem vender vacinas antes que o SUS dispusesse de todas as doses de que precisa. Tanto que entidades do setor de saúde trabalhavam com a hipótese de vender a imunização apenas quando houvesse excedente de doses, daqui a um ano ou mais.

Nesta segunda-feira (4), em nota à imprensa, a posição do ministério mudou. Agora a pasta fala em "integração de clínicas particulares de vacinação ao processo de imunização" e elenca até os critérios que a rede privada precisa cumprir para prover, para quem puder pagar, o serviço que o governo federal não consegue cumprir.

Segundo o Ministério da Saúde, as clínicas privadas devem obedecer à mesma sequência de grupos prioritários prevista no Plano Nacional de Imunização do governo e providenciar o registro das pessoas vacinadas na Rede Nacional de Dados de Saúde e na caderneta digital de vacinação.

Ou seja, derrotado em sua missão de prover proteção contra a covid-19, o governo federal rende-se à necessidade de contar com a rede privada para aumentar a cobertura da imunização já na primeira fase da campanha, não apenas "a partir do [momento] que a gente já tiver cumprido o que a gente precisa receber", como disse Pazuello em dezembro.

O problema é que isso significaria criar mais um fator de desigualdade social no Brasil: a criação da casta dos que terão ace$$o à vacina e a dos que não terão.

Diante da inoperância federal, esse parece ser uma caminho inevitável a se seguir, para conseguir que o maior número possível de cidadãos sejam imunizados — e assim frear o avanço descontrolado do novo coronavírus.

Pode-se, ao menos, pensar em maneiras de fazer com que a vacinação paga contribua para acelerar a vacinação gratuita. Por exemplo, se a cada dose paga as clínicas fizerem uma aplicação gratuita, com a segunda sendo bancada pela primeira. Se isso não for viável, é preciso ter ideias que sejam. Alô, legisladores!

Em todo o mundo, 13 milhões de pessoas já foram vacinadas contra covid-19. No Brasil, só quem participou dos testes e não estava no grupo que recebeu placebo foi imunizado.

Não há dúvida de que estamos atrasados e que, quanto mais brasileiros forem vacinados, menos vidas perderemos para a pandemia do novo coronavírus.

Se o governo federal deixou um vácuo de soluções, é hora de recorrer às forças que podem preencher o vazio.