Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Bolsonaro tem um problema com o pronome possessivo
O problema do presidente Jair Bolsonaro com o pronome possessivo "meu" é que ele o coloca onde não deveria.
No dia 8 de março, em uma fala que deixou claras suas intenções personalistas com as Forças Armadas, Bolsonaro chamou o Exército Brasileiro de "meu Exército". E insinuou que poderia usar os militares contra os governadores que adotam medidas de isolamento social para conter a pandemia.
A declaração não encontrou eco entre os integrantes da cúpula da Forças Armadas. No início desta semana, o general Fernando Azevedo e Silva foi demitido do Ministério da Defesa e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica entregaram seus postos.
De saída, dois deles, o general Azevedo e Silva e o tenente-brigadeiro Antonio Carlos Moretti Bermudez, fizeram questão de reforçar que as Forças Armadas são "instituições de Estado". Ou seja, não pertencem ao governo de ocasião e sim ao Estado brasileiro. Devem obediência à Constituição Federal. O presidente é a autoridade suprema dessas instituições, mas não seu dono.
Bolsonaro não vê a coisa dessa forma. Em sua live na internet, nesta quinta-feira (1), ele voltou a usar a expressão "meu Exército", dizendo que não o usaria para fazer cumprir decretos de governadores e prefeitos, algo que sequer é cogitado.
O sentimento de posse que Bolsonaro tem em relação às Forças Armadas é uma extensão da sua compreensão hermética e personalista da palavra "povo".
No mês passado, mais uma vez no contexto de críticas às medidas desesperadas de governadores e prefeitos para conter a disseminação do novo coronavírus, Bolsonaro disse: "Estão esticando a corda. Faço qualquer coisa pelo meu povo."
Assim como pensa ser dono das Forças Armadas, Bolsonaro pensa que é dono do povo. Mas o povo dele é o povo dos populistas, não o povo da Constituição.
O preâmbulo da carta magna afirma que cabe aos representantes do povo "assegurar os valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos".
O povo da Constituição é plural, não um povo unilateral, excludente e hermético que, na cabeça de um líder populista, é uma extensão dele próprio, de sua visão de mundo e de seus interesses pessoais. Esse povo monolítico que Bolsonaro chama de "meu" é o povo que apenas figuras autoritárias costumam evocar.
As Forças Armadas não pertencem a Bolsonaro, ainda que ele seja seu comandante. Elas pertencem ao povo de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, conforme descrita na Constituição.
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