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Fabiana Moraes

A decepção de Túlio Gadelha, que sente o gosto fermentado da velha política

Túlio Gadelha com o então candidato Ciro Gomes, em 2018. O zap entre eles já não é o mesmo - Reprodução/Instagram
Túlio Gadelha com o então candidato Ciro Gomes, em 2018. O zap entre eles já não é o mesmo Imagem: Reprodução/Instagram

colunista do UOL

17/09/2020 04h04

"Eles sabem o que fizeram, né?".

Túlio Gadelha, deputado federal (PDT-PE) e pré-candidato à prefeitura do Recife, não esconde o tamanho de sua recente decepção política, talvez a maior e mais rumorosa que já viveu.

Depois de ser cortejado a se candidatar por Carlos Lupi e Ciro Gomes (presidente e vice-presidente do partido), realizar pesquisas internas que indicaram a possibilidade de um segundo turno, construir um projeto de governo com dezenas de pessoas, ele foi desconvidado a concorrer por conta da aliança entre PDT e PSB na capital pernambucana.

Nela, o candidato João Campos (PSB) foi o escolhido: ao seu lado, como vice, o PDT indicou a ex-secretária de Habitação Isabella de Roldão. O nome de Rodrigo Patriota, enfermeiro sugerido por Gadelha para compor a chapa, foi considerado.

O deputado, a princípio, acatou a decisão, mas não demorou a voltar atrás e evocar a autonomia de sua candidatura. O movimento foi abertamente criticado por Lupi — que chamou a decisão do deputado federal de "vitimista" — e causou uma fissura comprida nas bases do PDT.

Já Ciro corre o país fazendo suas costuras complexas para 2022. Já voltaremos a ele.

Caras jovens, mas com herança genética

A decepção do deputado federal está enraizada em fenômenos bastante conhecidos na política brasileira: sistemas oligárquicos e personalistas, como ele próprio escreveu em uma rede social depois de fincar o pé e dizer que é pré-candidato. "É muito difícil fazer política em um ambiente onde a herança genética é mais valorizada do que a militância", disse Túlio em entrevista ao UOL.

Bem, a disputa para o maior cargo da Prefeitura do Recife é um bom retrato dessa realidade nacional. Nela, o rosto sorridente e midiático de Túlio surge como a novidade de um enredo com elementos novelescos e já conhecidos, no qual uma candidata e um candidato vindos da mesma família concorrem ao posto almejado também por Túlio. Marília Arraes, concorrendo pelo PT, é prima de João Campos e rompeu com o pai do último, Eduardo Campos, pouco tempo antes de sua morte em um terrível acidente de avião em 2014.

Entre os olhos claros de João e Marília, ela neta e ele bisneto de Miguel Arraes, três vezes governador de Pernambuco, Túlio fica com os da última.

Escolada em decepção política depois de ser preterida pelo PT nas eleições governamentais em 2018 (o partido, veja só, preferiu se aliar ao PSB), ela decidiu lançar candidatura para o Congresso Nacional e saiu como a segunda deputada federal mais votada no Estado, com 193.108 votos. No primeiro lugar, em sua primeira candidatura, estava ele, João Campos, com 460.387 votos.

No Twitter, Marília piscou o olho para o colega — e ele piscou de volta. "Ela é muito habilidosa e está com muita vontade de se colocar, de fazer política, o que é um bom sinal. Mas ainda tem muita coisa pra acontecer. Muita água pra rolar debaixo dessa ponte."

Comissão provisória do PDT-PE dura 26 anos

Não é só sobre a família dos outros que a decepção de Túlio Gadelha se arvora: ele mira o dedo para dentro do próprio PDT e aponta o longo reinado dos Queiroz no comando estadual como algo absolutamente incoerente. De fato, Leonel Brizola, um dos fundadores do partido, ficaria de sobrancelhas em pé se soubesse, por exemplo, que as decisões da legenda no estado são tomadas há 26 anos por uma... comissão provisória.

À frente dela, durante 20 anos, esteve o deputado estadual e quatro vezes prefeito de Caruaru, José Queiroz. Há seis anos, o cargo é ocupado por seu filho, o deputado federal Wolney Queiroz. "A comissão deveria ter vigência de seis meses no estatuto do PDT, mas já foi renovada 52 vezes", conta Gadelha.

Além de Lupi, Queiroz filho também foi até a imprensa falar mal do colega de congresso: classificou-o como espécie de piromaníaco amador. Para Túlio, outra cereja brilhante na decepção.

"Eu venho fazendo essas críticas há muitos anos. Onde as pessoas que militam e se formam nesses movimentos de base irão atuar politicamente, já que os espaços de direção partidária estão sempre reservados para um núcleo familiar?"

Sem notícias de Ciro

Também sobram verbos para o presidente Carlos Lupi: "Ele deve ouvir mais as bases do partido, os filiados, os movimentos organizados e tentar reconstruir praticas que já estão ultrapassadas dentro do PDT."

A questão: uma vez que a exposição das entranhas do partido mostrou um fígado meio baleado no lugar de cheirosas rosas vermelhas, cabe a um jovem político crítico do "familismo" e da falta de alternância no poder permanecer no quadro?

Gadelha responde trazendo ela, madrinha por excelência das disputas políticas, a dubiedade: "Não existe possibilidade de deixar o partido — mas também não existe possibilidade de subir no palanque daqueles em que não acredito. Se a gente não entrar nessa disputa, vamos avaliar profundamente quais serão os rumos desse grupo".

E por onde anda Ciro Gomes, que apostava alegremente em Túlio Gadelha como prefeito ("o mais qualificado, treinado por nós") há pouco mais de um ano? Até agora, mudo como um coco.

"O chamado para concorrer veio da direção nacional do partido, de Ciro Gomes, do presidente Carlos Lupi, que estiveram aqui no Recife, falaram repetidamente a importância de ter uma discussão ampla sobre a cidade com alguém com histórico de vida de uma pessoa comum, que não foi filho de governador, deputado, que a gente pudesse renovar não só no nome, ou na cara, mas renovar a política local nas práticas."

Mas, no fim — e até agora—, a herança genética e os planos em nível nacional foram mais robustos que o projetos do jovem deputado, em cujo celular ainda não piscou uma única chamada dos dois homens que inflaram seu nome como prefeiturável.

"Eles sabem o que fizeram, né?"