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Felipe Moura Brasil

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O supremo escambo e a impunidade de rebanho

Colunista do UOL

01/09/2021 14h25

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Cinco meses depois de Gilmar Mendes arquivar o inquérito sobre desvios de seu amigo Aécio Neves em Furnas atendendo a um pedido da subprocuradora bolsonarista Lindôra Araújo, Kassio Nunes Marques, indicado por Jair Bolsonaro ao STF, ajudou Gilmar a arquivar também o inquérito sobre os repasses da Odebrecht a Aécio, confessados por executivos da empreiteira em colaboração premiada na Lava Jato.

Nem Ricardo Lewandowski, que defendeu o envio do caso para a Justiça Eleitoral, compactuou dessa vez com o relator; mas o deputado federal nem precisa agradecer ao presidente da República. No mesmo dia, Gilmar acatou o pedido da defesa de Flávio Bolsonaro para adiar, mais ainda, o julgamento do recurso do MP do Rio contra seu foro privilegiado retroativo, simplesmente porque um advogado do 01 alegou que não poderia comparecer à sessão. O adiamento por esse motivo contraria jurisprudência da Corte, segundo a procuradora Janice Ascari, mas estão todos em casa no Supremo.

Aécio, aliás, não foi o primeiro político do PSDB beneficiado com voto de Kassio. O ministro já havia ajudado Gilmar a mandar ações contra o ex-governador Beto Richa na Operação Integração para a Justiça Eleitoral do Paraná (revogando as prisões dele e do irmão, José Richa Filho) e a suspender a condenação do ex-governador Eduardo Azeredo no caso do mensalão tucano, transferido para a Justiça Eleitoral de Minas Gerais; ao passo que Gilmar havia ajudado Kassio a blindar duas vezes seu padrinho Ciro Nogueira, líder do Centrão e ministro da Casa Civil do governo Bolsonaro. Nesses quatro julgamentos, Lewandowski também integrou a maioria na Segunda Turma.

Este é o STF real: o da impunidade, turbinada pelo bolsopetismo.

Curiosamente, os bolsonaristas, assim como os petistas, acusavam Sergio Moro de proteger tucanos. Quando entrevistei, em julho de 2020, o ex-juiz da Lava Jato em Curitiba, ele refutou esses ataques, lembrando que "nunca tivemos jurisdição sobre esses casos" e que "o maior acordo de colaboração em termos de dimensão e resultados, e que envolveu a revelação de pagamentos de subornos para políticos dos mais variados partidos do Brasil - inclusive também gerou uma onda anticorrupção na América Latina de uma maneira geral -, foi esse acordo da Odebrecht".

"E isso só surgiu por quê?", prosseguiu Moro. "Porque foi em Curitiba que o processo contra esses dirigentes da Odebrecht que pagavam esses subornos avançou. Não fosse isso, uma relação de causa e efeito, não teria todas essas consequências. E se nós quiséssemos proteger alguém, tínhamos matado isso na origem. Para que decretar a prisão preventiva, o processo e a condenação do Marcelo Odebrecht? Não precisava, se eu quisesse, se nós quiséssemos obstruir a Justiça; mas era nosso dever atuar."

Atualmente, bolsonaristas e petistas não só se calam sobre a boiada de Gilmar, de quem esperam votos favoráveis a seus líderes, como também os ministros indicados por Lula (ora Dias Toffoli, ora Lewandowski, ora ambos) e Bolsonaro (Kassio) o ajudam direta e indiretamente a blindar José Serra, Aloysio Nunes, Eduardo Azeredo e Aécio Neves.

No Twitter, Moro sugeriu um documentário sobre a Lava Jato, afirmando que "é sobre um tempo diferente do atual, quando a corrupção era investigada e punida", e defendeu o restabelecimento da prisão em segunda instância "para evitar a impunidade do rebanho", enquanto Arthur Lira, aliado de Bolsonaro na presidência da Câmara, aprovou a urgência da "reforma" eleitoral que tenta cassar direitos políticos do ex-juiz e dos demais membros da força-tarefa, agora também denunciados por dois procuradores de Mossoró pelos "danos" que causaram combatendo a maior propinocracia da história.

Nas diversas frentes de lavagem de sua imagem para a eleição de 2022, Lula, solto e blindado com ajuda de Gilmar e das claques de ambos no mercado da comunicação, conta também com o "manual anticorrupção" produzido pelo PT para fingir que o partido não tolera (mais?) o recebimento de vantagens indevidas, incluindo "benfeitorias em bens particulares", como, quiçá, reformas em sítio e triplex de veraneio realizadas por empreiteiras ligadas a governos petistas. O último a se fazer de sonso nesta magnitude foi Sérgio Cabral, que sugeriu um "código de conduta" em 2011, quando ficou evidenciada sua relação espúria com empresários ligados ao governo do Rio. Acabou condenado vinte vezes a uma pena total de quase 400 anos de prisão.

Mas Cabral ainda é um ponto fora da curva no país. Carlos Bolsonaro, que teve suas quebras de sigilo autorizadas pela Justiça do Rio em apuração sobre desvio de dinheiro público por meio de funcionários fantasmas, em esquema similar ao do irmão, talvez possa contar com Gilmar e Lewandowski se seu caso um dia chegar ao Supremo e, com sorte, ainda houver algum tucano e algum petista precisando do voto de Kassio ou do atual postulante André Mendonça, candidato de Jair Bolsonaro e José Dirceu à Corte.

"A gente não pode ser condenado a vida inteira a ter problemas de corrupção", disse o senador Alessandro Vieira, integrante da CPI da Pandemia, ao lançar sua pré-candidatura à presidência, considerando preencher a lacuna, por ora, deixada por Moro. "Nenhum país está condenado a isso. E no cenário que a gente tinha, a discussão estava entre quem rouba mais ou quem rouba menos. Quem faz mais escândalos. E a gente não pode ter uma mediocridade tão grande", nem candidatos de terceira via "reféns de articulações partidárias que são incompatíveis com o combate" à ladroagem.

Em meio ao rebanho impune, pelo menos um político expressou o problema de natureza moral do qual decorrem quase todos os outros no Brasil. Enquanto ele não for resolvido por vias culturais e democráticas, seremos um país condenado ao supremo escambo.