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Os pecados de André Mendonça
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André Mendonça, apesar de ter dado o voto mais brando de condenação de Daniel Silveira, tentou se justificar para os fiéis de Jair Bolsonaro no Twitter, colocando sua fidelidade ao cristianismo e ao Direito - para não dizer a Dias Toffoli - acima de sua cumplicidade com o interesse bolsonarista de blindar o deputado federal.
O ministro do STF, segundo indicado do presidente à Corte e organizador de livro em homenagem a Toffoli, alegou que, "[a] como cristão, não creio tenha sido chamado para endossar comportamentos que incitam atos de violência contra pessoas determinadas; e [b] como jurista, a avalizar graves ameaças físicas contra quem quer que seja".
Antes da euforia com o indulto individual concedido por Bolsonaro a Silveira, Mendonça apenas turbinou a irritação da militância por dois motivos:
1) Na hierarquia de valores do bolsonarisno, a fidelidade irrestrita aos seus próprios mitos, apóstolos e potenciais mártires prevalece sobre os princípios do Direito e da tradição cristã, cuja roupagem é usada não para orientação moral, mas como ferramenta de poder da Família Bolsonaro, em razão do efeito unificador (e, portanto, eleitoral) das igrejas sobre o povo. Daí o presidente ter propagandeado a indicação de um ministro "terrivelmente evangélico" e Eduardo Bolsonaro ter tomado o santo nome de Jesus Cristo em vão, à moda Lula, para traçar um paralelo sacrílego com Silveira:
"Nossa maior referência foi o mais perseguido e mesmo assassinado com requintes de tortura", disse o mesmo deputado que fez chacota de um requinte de tortura da ditadura militar - o uso de uma cobra jiboia, da qual afirmou sentir pena - contra uma mulher então grávida que hoje critica o governo de seu pai. "Se essa injustiça aconteceu com Jesus, não seremos nós a vir para a Terra para receber apenas aplausos." Jesus, no entanto, não incitou atos de violência, nem incorreu em graves ameaças contra ninguém.
2) O fato de ministros do STF terem sido vítimas e julgadores ao mesmo tempo no processo contra Silveira tornou a evocação do Direito um insulto à base bolsonarista, a despeito de qualquer alegação jurídica sobre o foro por prerrogativa de função do deputado ser o próprio Supremo, composto pelos ministros ameaçados por ele.
A discutível premissa da inevitabilidade de que a Corte julgasse o caso não convenceu a base, que esperava de Mendonça a mesma posição do outro indicado de Jair Bolsonaro, Kassio Nunes Marques, a favor da absolvição. Garantidor do foro privilegiado de Flávio, Nunes Marques, porém, chegou ao cúmulo de reduzir ameaças e incitações de violência e invasão a meras "bravatas", "ilações" e "conjecturas inverossímeis", "incapazes" de "concretamente causar mal" e "de intimidar quem quer que seja", como se a eventual dificuldade de Silveira em encontrar meios para concretizar os atos, ou a presunção de que ele jamais os cometeria, eximisse o deputado do enquadramento penal e da punição pela potencial lesão a direitos previstos em lei.
É como se um troglodita ameaçasse ou incitasse em rede social a invasão do lar do leitor e a agressão contra sua família, mas fosse eximido de culpa porque a casa tem segurança e ele é tolo ou bravateiro demais para levar a cabo sua manifesta intenção.
A maioria do STF merece críticas pela hipocrisia em condenar, em processo célere realizado em condições não ideais, quem ataca seus membros, enquanto blinda com manobras jurídicas, que levam inclusive à prescrição, padrinhos e aliados dos ministros, denunciados ou condenados por roubar direta ou indiretamente o povo brasileiro.
Neste sentido, Mendonça virou um prato quase cheio.
Dois dias depois de votar pela condenação de Silveira a dois anos e quatro meses em regime inicialmente aberto (uma pena bem mais suave que a de oito anos e nove meses, em regime inicialmente fechado, estabelecida por outros noves ministros), ele votou junto com Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski para anular a sentença proferida pela própria Segunda Turma do STF em outubro de 2020 contra o ex-senador Valdir Raupp, por corrupção e lavagem de dinheiro, no âmbito da Lava Jato. Sem a companhia de Celso de Mello e Cármen Lúcia, que não integram mais a Turma, Edson Fachin foi voto vencido, porque Mendonça reassumiu o papel de Toffoli no trio libertador.
Era apenas isso, também, que a Família Bolsonaro queria dele. Mas que nem todo aliado do presidente é aliado de Toffoli, e que o Evangelho é inconciliável com certas práticas bolsonaristas que vão das rachadinhas ao reacionarismo aloprado, Bolsonaro sempre soube. Por isso mesmo, indicou primeiro o "nosso Kassio" do Centrão.
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