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Felipe Moura Brasil

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Decisão de Moraes impõe debate sobre o limite da prevenção

25/08/2022 13h33

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Comentei na Live UOL de quarta-feira (24) a operação de busca e apreensão determinada, entre outras medidas, pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, contra oito empresários bolsonaristas.

Eles eram membros do grupo de WhatsApp em que foram expressadas uma preferência por golpe de Estado a um eventual governo Lula, uma frustração por tal medida não ter sido adotada anteriormente e uma estratégia para o Dia da Independência.

Eis as principais mensagens:

1) "Prefiro golpe do que [sic] a volta do PT. Um milhão de vezes."

2) "O golpe teria que ter acontecido nos primeiros dias de governo. [Em] 2019 teríamos ganhado outros 10 anos a mais."

3) "O 7 de setembro está sendo programado para unir o povo e o Exército e ao mesmo tempo deixar claro de que lado o Exército está. Estratégia top e o palco será o Rio."

Diferentemente de publicações com ameaças de morte, incitação à violência e crimes contra a honra já feitas por ativistas bolsonaristas que precisam ser responsabilizados e punidos nos termos da lei, nenhuma das mensagens privadas dos empresários, por mais repugnantes que sejam, constitui, por si, a conduta incriminada no artigo 359-L do Código Penal de tentar, "com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito".

Uma preferência pessoal não é uma ação individual pela concretização da opção preferida.

Uma frustração pelo que "teria que ter acontecido" anos atrás não é nem sequer uma pregação de que a ação aconteça hoje, muito menos uma ação concreta com este fim.

Mesmo a terceira mensagem, que se refere ao dia do desfile militar, limita-se a descrever como "está sendo programado" seu uso político, de modo que o elogio ("top") à estratégia abominável do próprio presidente da República não é nem sequer indício de financiamento do ato por parte do empresário, que dirá de tentativa de, por meio dele, abolir o Estado Democrático de Direito, ou subjugar instituições em Brasília diretamente do "palco" do Rio de Janeiro.

Se é para interpretar como ameaça à democracia "deixar claro" que o Exército está ao "lado" do governo, quem deve ser alvo de inquérito é Jair Bolsonaro, ou o comandante do Exército, não qualquer adesista de fora do governo e das Forças Armadas.

As provas no grupo são de adesão, sim, de uma ala rasteira da elite nacional ao reacionarismo aloprado e à pose de valente do presidente impune, não a práticas criminosas determinadas - a menos, claro, que haja nos inquéritos sob sigilo (das fake news e das milícias digitais) indícios de ações concretas dos empresários, apenas reforçados pelas mensagens do grupo.

O fato de eles serem endinheirados e possivelmente capazes de financiar um golpe pode agravar esses eventuais indícios, mas jamais substituí-los, caso contrário qualquer cretinice dita em conversas privadas por ricos (ou influentes, se o critério for estendido a quem atinge milhões de pessoas) poderá render devassas em sua vida.

No filme "Minority Report" (2002), dirigido por Steven Spielberg e protagonizado por Tom Cruise, um sistema no ano de 2054 permite que crimes sejam previstos com precisão, de modo que seus autores são neutralizados antes de cometê-los. Tudo corre muito bem até o detetive John Anderton descobrir um assassinato que ele mesmo irá cometer, o que gera dúvidas sobre sua reputação e a confiabilidade do sistema.

Sem fundamentos claros, a determinação de Moraes soou como abuso de poder profético.

Nada impede que setores de inteligência policial monitorem preventivamente as mobilizações em torno de um evento com potencial de tumulto em momento sensível do país, e até reconheço a possibilidade de coleta de depoimentos de seus incentivadores para fins de contribuição com ações preventivas, mas, para medidas invasivas como busca e apreensão, bloqueios de contas bancárias e de redes sociais, quebra dos sigilos bancários dos empresários, não basta um adesismo vulgar.

Impedir um golpe de Estado é desejável, sem dúvida. Em nome da prevenção contra um golpe incerto no futuro, porém, não se devem legitimar atos autoritários no presente, sob risco de o fantasma da ditadura abrir caminho para uma ditadura velada.

Bolsonaro, para encobrir manifestações individuais de delinquência de outros ativistas bolsonaristas, vinha discursando genericamente em nome da "liberdade". Se o ministro do STF autoriza medidas invasivas contra quem não incorreu em qualquer conduta incriminada em lei, o discurso político é legitimado a posteriori e explorado pelo grupo do presidente de forma anacrônica, eventualmente turbinando, ainda mais, o movimento que se quer dissipar.

Passada a festa de arromba de sua posse, Moraes precisa ser mais juiz e menos estrela de cinema.

Na Live UOL, falamos também sobre o apoio do presidente do STF, ministro Luiz Fux, a Moraes; sobre a repercussão da entrevista de Ciro Gomes (PDT) ao Jornal Nacional; e sobre a chegada do coração de D. Pedro I para as comemorações do Bicentenário da Independência do Brasil.

Com Madeleine Lacsko, debato os principais assuntos do país diariamente, das 17h às 18h, com transmissão ao vivo nos perfis do UOL no YouTube, no Facebook e no Twitter.