Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Veto de Trump no Facebook é recado eloquente para populistas do século 21
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O conselho de supervisão independente do Facebook anunciou ontem seu endosso à decisão da empresa de suspender as contas de Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos, meses atrás. Trump foi banido após a invasão ao Capitólio no dia 6 de janeiro. O republicano foi considerado um pivô na escalada da violência durante a certificação do resultado do pleito de 2020 e foi acusado de disseminar notícias falsas sobre fraude eleitoral.
No período, além de ter sido suspenso do Facebook e do Instagram, Trump também foi permanentemente excluído do Twitter e vetado temporariamente do Youtube. Ao tomar conhecimento sobre a manutenção da suspensão, o ex-presidente referiu-se à deliberação como uma "desgraça total" e evocou o argumento da censura e do desrespeito à liberdade de expressão.
Não resta dúvidas de que é preciso muita cautela em estabelecer pesos e medidas no mundo político. O dilema do "poder moderador" ou de "quem vigia o vigia" é antigo e escorregadio. No caso do universo virtual há questões ainda mais sensíveis: a internet é um ambiente pouco regulado, os limites entre público e privado são imprecisos, a resposta das empresas de tecnologia é lenta e há muitas dificuldades em identificar redes de financiamento e combater ações orquestradas, bem como imputar responsabilidade sobre excessos, particularmente envolvendo o uso de perfis inautênticos.
Apesar disso, o "deplatforming" de Trump é uma reação direta ao movimento de "guerra de narrativas" que ele próprio ajudou a alimentar. No mundo da pós-política Trump fortaleceu um novo populismo particularmente complexo. Para além da "vida real", também no contexto das redes sociais, os populistas passaram a forjar uma separação da população em ao menos dois grupos falsamente homogêneos: elites progressistas e corruptas que se antagonizam a uma massa genuína, que precisa de um líder orgânico que fale por ela.
A política do ressentimento gerou, em vários países, posições antissistema, que consolidaram lideranças vindas de fora (os "outsiders") e que contestavam as estruturas de poder tradicionais. Por meio de linguagem sensacionalista, discursos radicalizados, guerras reputacionais e ações intimidatórias, o fortalecimento de figuras que se apresentaram como "anti-establishment" tem alimentado, desde então, movimentos de disputa em torno do conceito de "verdade" nas redes, o que culmina na manipulação de fatos e na desinformação com intenção sistemática de confundir as pessoas.
Nos Estados Unidos, especificamente, esse instrumento foi utilizado de forma recorrente por Trump. Dados do Pew Research Center apontam que a confiança nos processos eleitorais caiu de 70% para 34% entre republicanos após a derrota de Trump e suas alegações de que o sistema não era confiável e que as eleições haviam sido fraudadas. Fenômeno semelhante ocorreu quanto à desconfiança na vacina contra a covid-19 após manifestações negacionistas do presidente.
Os números gerais sinalizam que, ao fim da gestão Trump, 68% dos norte-americanos reconheciam que fake news afetavam muito a confiança nas instituições governamentais e mais cidadãos viam as notícias falsas como um problema maior para o país do que terrorismo (34%), imigração ilegal (38%), racismo (40%) e sexismo (26%).
O trumpismo se beneficiou por anos das redes e de seus poderosos instrumentos de desinteligência. Deixou marcas profundas no tecido social norte-americano —algumas delas serão irreversíveis e permanentes. Por ironia do destino, se defronta, agora, com a grande lição já preconizada por mentes brilhantes de nossa História: não existe liberdade sem responsabilidade.
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