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Fernanda Magnotta

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

100 dias de Biden revelam mais do que a volta ao "velho normal" nos EUA

20 jan. 2021 - Joe Biden discursa após tomar posse como presidente dos Estados Unidos - Rob Carr/Getty Images
20 jan. 2021 - Joe Biden discursa após tomar posse como presidente dos Estados Unidos Imagem: Rob Carr/Getty Images

Colunista do UOL

29/04/2021 04h00

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Não é exagero dizer que, uma vez eleito, as expectativas em torno de Joe Biden eram, antes de tudo, modestas. No contexto da pandemia de covid-19 e diante da perda de poder relativo dos Estados Unidos, que foi acelerada pela gestão de Donald Trump, imaginava-se que Biden buscaria simplesmente estabilizar o país diante da crise e restaurar o compromisso norte-americano com a velha ordem liberal, se reaproximando de aliados (sobretudo europeus) e reforçando a agenda multilateral do governo.

Ao completar 100 dias na Casa Branca, o presidente confirma a que veio. Na gestão da pandemia, acumula sucessos, tanto em relação à distribuição de vacinas quanto do ponto de vista econômico. Mais de 230 milhões de doses de imunizantes já foram administradas e os estímulos econômicos começam a surtir efeitos de curto prazo, principalmente a partir da aprovação do pacote US$ 1,9 trilhão, sua maior vitória no Congresso até o momento.

Do ponto de vista internacional, Biden encarregou-se de reverter políticas simbólicas da era Trump, como a saída do Acordo de Paris e da OMS, a proibição da entrada de muçulmanos nos Estados Unidos e a construção do muro na fronteira com o México. Adicionalmente, endureceu o discurso contra a Rússia, impondo sanções ao país em resposta à interferência de Moscou nas eleições de 2020 e a um ataque cibernético orquestrado, depois se referir ao presidente Vladimir Putin como "assassino".

Na linha das continuidades com o governo anterior, Biden manteve as sanções ao Irã, condicionando-as à retomada do diálogo sobre seu programa nuclear. Também manteve as tarifas comerciais impostas à China, além de ter elevado a pressão sobre violações de direitos humanos no país.

Em 100 dias, Biden assinou mais de 40 ordens executivas, a segunda maior quantidade da história dos Estados Unidos, ficando atrás apenas de Franklin D. Roosevelt. O paralelo com Roosevelt, aliás, não é fortuito. FDR foi o responsável por difundir a marca arbitrária dos 100 dias como métrica para analisar a produtividade legislativa de um presidente.

Governando os Estados Unidos no contexto imediato da Crise de 1929 e da Segunda Guerra Mundial, ele assinou 76 leis em seus 100 primeiros dias de mandato. Do fechamento temporário de bancos a grandes investimentos em obras públicas, foi assim que se constituiu o "New Deal". Do ponto de vista externo, FDR ficou conhecido por um tipo de "internacionalismo wilsoniano", em que o "exemplarismo" e a defesa da democracia formavam os pilares de inserção internacional do país.

Biden reaviva, em 2021, a discussão sobre o papel do Estado, propondo um plano audacioso de infraestrutura sobre o qual já discutimos nessa coluna. Também polariza o Congresso norte-americano sobre gestão dos gastos do governo e questões tributárias. Ademais, aponta para uma política externa profundamente moralista. Nada disso é exatamente novo.

Apesar disso, um olhar atento mostra que, no discurso e na prática, Biden dá sinais de que não pretende ser apenas um presidente que promove a reconciliação dos Estados Unidos com suas tradições ou que mimetiza FDR. Ao contrário, tem buscado perfilar-se como um reformista interessado em construir um legado de transformações de longo prazo com identidade própria.

No centro do debate, questões profundamente estruturais:

  1. Desigualdade;
  2. Diversidade;
  3. Imigração;
  4. Meio ambiente e
  5. Política de armas.

Em cada uma dessas áreas, Biden mira avanços substantivos.

Do ponto de vista do combate à desigualdade, as propostas vão desde o aumento de impostos sobre grandes empresas até o fortalecimento de sindicatos, passando pela discussão sobre empréstimos estudantis, e execuções de dívidas de hipoteca, bem como a definição de moradia e assistência médica como direitos básicos a serem expandidos.

No que diz respeito à diversidade, Biden está interessado em iniciar uma reforma no sistema de justiça. Pretende atuar principalmente no combate ao racismo sistêmico, sobretudo na fiscalização de ações policiais, mas também tem ações previstas no que tange à violência contra mulheres, direitos de transgêneros e da comunidade LGBTQI+ em geral.

Sobre a questão imigratória, o presidente já encaminhou ao Congresso um projeto de lei que pretende rever critérios para deportação, concessão de vistos e refúgio, bem como para o processo de naturalização. Também almeja melhorar o treinamento e responsabilização dos agentes de imigração, além de reforçar programas de integração de imigrantes na sociedade norte-americana.

Na seara do meio ambiente, para além de reduzir emissões de gases do efeito estufa, Biden deixou claro, na Cúpula do Clima, que o foco será, para consumo doméstico, fazer dos Estados Unidos uma "economia verde" e, para fins internacionais, estabelecer uma liderança renovada para o século XXI com ênfase também na "diplomacia verde".

Em relação à política de armas, por fim, o presidente, pretende enviar ao Congresso um projeto sobre o controle de armas, reorganizar o Departamento de Justiça para ampliar a aplicação de leis já existentes e encomendar um estudo sobre como melhorar a checagem de antecedentes de compradores de armas.

Não é pouca coisa e há várias barreiras pelo caminho. Ainda assim, caso essas medidas avancem, será um legado para 100 anos, não para 100 dias.