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Fernanda Magnotta

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Disputas tecnológicas marcarão os próximos conflitos entre EUA e China

Bandeiras dos EUA e da China em Xangai, por ocasião de encontro de delegação comercial norte-americana com autoridades chinesas - Aly Song
Bandeiras dos EUA e da China em Xangai, por ocasião de encontro de delegação comercial norte-americana com autoridades chinesas Imagem: Aly Song

Colunista do UOL

22/07/2021 04h00

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Email inválido

Nos últimos dias acompanhamos o desenrolar de uma série de acusações feitas pelos Estados Unidos e seus aliados contra a China. Elas ocorreram a partir de uma invasão do sistema de e-mails da Microsoft e de outros ataques de ransomware, um tipo de software malicioso utilizado por criminosos digitais.

Para além das já convencionais acusações no campo comercial, que usualmente colocam a China como um parceiro desleal, agora estamos testemunhando o avanço acelerado de uma nova fase da disputa hegemônica: o contencioso tecnológico.

Será, pouco a pouco, cada vez mais comum o emprego de termos como "hacking", "extorsão cibernética", "cripto-jacking" e "espionagem virtual" no noticiário mundo afora. Indicam, basicamente, sobre práticas desonestas no ciberespaço.

Se conectam não apenas com os avanços computacionais que estamos vivendo nessa era, mas também com transformações nas matrizes econômicas das potências desse século, e como isso impacta a competição entre elas.

Pequim investiu pesadamente nos últimos anos para estimular a indústria 4.0 e, sobretudo por meio do plano "Made in China 2025", sobre o qual já falamos nessa coluna, pretende consolidar o país como líder em setores estratégicos, que vão de biotecnologia ao campo aeroespacial, passando por telecomunicações, robótica e energia limpa.

Em 2019, segundo dados da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), a China se tornou a maior solicitante de patentes do mundo, estando a frente dos Estados Unidos, inclusive.

Mas nem tudo são flores. Em meio a essas transformações, os líderes do Ocidente inundam os foros internacionais com denúncias contra o governo e as empresas chinesas sobre violações de direitos autorais e incômodos com transferência de tecnologia. Ao mesmo tempo em que Estados Unidos e Europa implementam leis rígidas de proteção de dados, acompanhamos, na China, a instauração de uma enorme e sofisticada estrutura de vigilância, que, por meio do sistema chamado "Sharp Eyes", monitora cidades inteiras a partir de reconhecimento facial.

Do ponto de vista do Brasil, tateamos essa disputa sobretudo por meio dos debates envolvendo o 5G. O lobby norte-americano trabalha diuturnamente para excluir a participação da Huawei do leilão das frequências de operação dessa nova geração de internet móvel, que deve ocorrer em breve.

No mundo do "big data" e de ações pautadas por pegadas digitais, o 5G é estratégico. Gira em torno dele todo o conceito de "internet das coisas". O domínio chinês nessa esfera alavancaria o poderio do país a um novo patamar, particularmente incômodo aos norte-americanos, que, desde a Guerra Fria, têm sido referência em matéria de tecnologia.

Os Estados Unidos argumentam que a captação de dados pelos chineses não é confiável e pode, no limite, representar uma ameaça à segurança nacional dos países.

Isso explica a tom litigioso que vem da Casa Branca e se multiplica em diversos países do globo. Também ajuda a compreender o porquê de os norte-americanos buscarem encurralar a China no sistema multilateral e junto de seus parceiros tradicionais, como ocorreu, de forma inédita, no último comunicado final divulgado pela OTAN.

Em um de seus famosos ensaios, o sociólogo Zygmunt Bauman afirmou, certa vez, que "a geração mais tecnologicamente equipada da história humana é aquela mais assombrada por sentimentos de insegurança e desamparo". Bauman estava certo. Sua percepção se aplica aos dramas da vida privada e também vale para as superpotências. O futuro da política internacional passará pelo mundo cibernético, ainda que os dramas sejam, em essência, os mesmos de outrora.