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Fernanda Magnotta

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

O que o encontro de Bolsonaro com a neta do ex-ministro de Hitler nos conta

Beatrix Von Storch e Bolsonaro, em foto divulgada nesta semana - Reprodução/Instagram
Beatrix Von Storch e Bolsonaro, em foto divulgada nesta semana Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

29/07/2021 04h00

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Na última semana, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e outras lideranças do governo brasileiro, como os deputados Bia Kicis (PSL-DF) e Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), além do ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, encontraram-se com Beatrix von Storch, do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), em Brasília.

Propagadas nas redes sociais, as fotos revelaram reuniões entusiasmadas. A deputada alemã afirmou, pelo Instagram, que "em um momento em que a esquerda está promovendo sua ideologia por meio de suas redes e organizações internacionais em nível global, nós, conservadores, devemos nos unir". Do lado brasileiro, Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, fez coro, via Twitter, à ideia de que são "unidos por ideais de defesa da família, proteção das fronteiras e cultura nacional".

Sem dúvida, há muitos incômodos que derivam de episódios como esses. A parlamentar alemã é polêmica e controversa. Investigada por propagar ideias extremistas e xenófobas, ela é neta do ministro das Finanças de Adolf Hitler, Lutz Graf Schwer. Seu partido, a AfD, fundado em 2013, costuma enquadrar-se no que a literatura especializada chama amplamente de "far right" ou, nesse caso em particular, de "direita radical", nos termos do que classificam especialistas como Cas Mudde.

Durante a repercussão dos encontros, muitos analistas correram para classificar Beatrix von Storch e a AfD como "neonazistas", o que, da perspectiva rigorosamente conceitual, não é verdade. Embora existam, inclusive na Alemanha, grupos com esse perfil, eles são essencialmente antidemocráticos e antiliberais. São, portanto, afeitos a princípios totalitários.

Ao mesmo tempo, equivocam-se também os que tentam enquadrar Beatrix von Storch e a AfD simplesmente como "conservadores". Trata-se de um uso vulgar e conveniente do termo. Não é apenas ignorância teórica, mas parte de um projeto político mal-intencionado. A AfD e outros tantos grupos mundo afora não são simplesmente representantes de uma visão de mundo conservadora. São a voz de uma direita antiliberal.

A direita radical de que fazem parte Beatrix von Storch e a AfD é uma direita democrática, mas que reduz a democracia a uma prática plebiscitária, com simplificações do que representa a soberania popular e com riscos severos de opressão dos direitos fundamentais das minorias. É hostil aos princípios básicos do liberalismo político, incluindo amplos direitos civis.

É também profundamente antissistema: manipula ressentimentos das massas para rotular oponentes, controlar narrativas, atacar instituições e denunciar elites. A direita radical é, sem surpresa, populista. Manifesta-se como um sintoma crescente e de vocação global: não está somente na Alemanha, mas na Hungria, na Polônia, na Itália, na França, nos Estados Unidos, no Brasil e em tantos outros países.

Pode parecer preciosismo de acadêmico, mas não é. Faz parte não apenas da compreensão, mas, inclusive, do enfrentamento dos problemas dar às coisas os nomes apropriados, chamá-las pelo que de fato são.

O próximo passo, depois disso, é refletir sobre o velho ditado: "diga-me com quem andas e te direi quem tu és", mas isso é assunto para uma próxima coluna.