Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Três desafios de uma política externa que vê o Brasil como excepcional
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Temos acompanhado, no início desse novo governo Lula, um intenso debate a respeito das escolhas e diretrizes da administração em matéria de política externa. Em geral, é possível dizer que estamos diante de mais um capítulo da tradicional (e já conhecida) abordagem do próprio presidente e de Celso Amorim, seu principal conselheiro, nessa matéria.
De acordo com a perspectiva dominante no governo, o foco da inserção internacional do Brasil está na busca por uma política externa universalista, plural e diversificada, que esteja a serviço de promover o país como um player genuinamente global. Não interessa ao Brasil de Lula ser visto ou tratado como uma potência média ou mero ator de relevância regional.
Também parece não interessar uma agenda monotemática, com protagonismo restrito apenas a vocações óbvias, como é o caso do meio-ambiente. O Brasil de Lula quer sentar-se à mesa "dos adultos" para discutir os temas mais sensíveis da agenda global, como a Guerra da Ucrânia e a hegemonia do dólar, por exemplo.
Há, em tudo isso, uma dimensão material, que reconhece, claro, as inúmeras potencialidades do Brasil e seu estoque de capacidades. Mas, há também, um traço marcante da crença no "excepcionalismo brasileiro". Trata-se da percepção de que o país é singular e especial em diversos aspectos e que sua ação no mundo precisa passar por tal reconhecimento.
Se, por um lado, isso traz à tona aspectos importantes de nossa identidade, sobretudo ligados à autoestima, resiliência e capacidade de resolver problemas de forma criativa e conciliadora, por outro lado, pode levar à subestimação de certas limitações ou alguma resistência a adaptações necessárias. No caso da política externa, o desafio que emerge daí é que nossas escolhas passam pela necessidade de angariar, para o Brasil, determinados recursos de longo prazo e que dependem da validação de terceiros. A autodeterminação aqui não basta.
O primeiro desafio tem a ver com a busca por legitimidade. Em relações internacionais não é suficiente que um ator se veja como portador de certos méritos. É necessário, antes de tudo, que o sistema corrobore certas narrativas e considere determinadas intenções válidas, aceitáveis ou, no mínimo, justificadas em um determinado contexto. Independente do voluntarismo das lideranças isoladas, é preciso que um comportamento de um player seja visto como adequado por aqueles que estão envolvidos ou são afetados por uma determinada ação.
O segundo desafio, que impacta no anterior, inclusive, é preservar alguma estabilidade em termos de sua agenda global. Esse aspecto tem a ver com a capacidade que um Estado possui de manter certa constância em relação à sua "grande estratégia" de política externa. Mudanças significativas de substância em um curto espaço de tempo trazem a sensação de incerteza e abalam a confiança dos demais atores, o que dificulta construir credibilidade e fazer apostas longevas. A reputação de um país não pode repousar na agenda de um ou outro governo e ficar refém da troca de lideranças do país. Precisa se construir por meio de ações e comportamentos consistentes e alinhados com certos valores e propósitos do Estado.
O terceiro desafio é conseguir navegar pelos interesses das grandes potências sem ser instrumentalizado por elas. Isso significa, diante de um processo de transição hegemônica, tentar preservar a própria autonomia desviando das tentativas de ser utilizado como um meio para atingir objetivos ou interesses de terceiros. Em situações em que há evidente assimetria de poder, os riscos da busca por um sistema multipolar e uma ordem mais democrática e representativa passam pela eventual manipulação, coerção e até mesmo submissão de países mais poderosos em relação à países menos poderosos.
Em resumo, parafraseando o ditado popular que se atribui ao imperador romano Júlio César ("à mulher de César não basta ser honesta, é preciso parecer honesta"), no caso das ambições internacionais do Brasil, não basta ser excepcional, é preciso parecer excepcional.
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