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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Usar a crise na Ucrânia para forjar multipolaridade é indignação seletiva

O presidente Lula participa de encontro da cúpula do G7 em Hiroshima, no Japão - Ricardo Stuckert
O presidente Lula participa de encontro da cúpula do G7 em Hiroshima, no Japão Imagem: Ricardo Stuckert

Colunista do UOL

21/05/2023 07h32

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Em matéria de política externa, todos sabemos que o Brasil, com Lula como líder, busca desempenhar um papel de destaque no cenário internacional e tenta ser reconhecido não apenas como potencia regional, mas como um player global. Desde as administrações anteriores do petista temos claro que a estratégia é perseguir uma política externa abrangente e ambiciosa, com parcerias estratégicas diversificadas e atuação em várias áreas.

Nesse sentido, o Brasil de Lula navega pelas ambiguidades de um mundo complexo: compartilha valores e interesses com o Ocidente, mas também reconhece demandas e necessidades que são sub-representadas pelas lideranças atuais.

Sem surpresa, portanto, assim como outros países do Sul Global, o Brasil defende reformas nos mecanismos de governança global e tem ressalvas em relação às políticas dos Estados Unidos e Europa, reforçando a importância de democratizar a ordem internacional e promover vozes alternativas que possam abarcar diferentes perspectivas. As posições adotadas em relação à guerra na Ucrânia estão inseridas, portanto, nesse contexto mais amplo.

Se há, portanto, sob a ótica do governo, alguma coerência nessa política, há sentido também em criticá-la. Enquanto o Brasil tenta se apresentar como "neutro" ou "não alinhado", faz escolhas que soam, mundo afora, como de um país "indeciso", "hesitante", e em casos mais extremos, "facilitador da Rússia".

A demanda por um sistema internacional mais representativo e plural é válida e necessária, mas usar a crise em torno da Ucrânia para forjar caminhos rumos à multipolaridade contraria não apenas tradições históricas de nossa diplomacia, como também valores elementares de nossa própria organização politica e social enquanto país.

É preciso ter claro que é perfeitamente possível possuir ressalvas quanto à ação do Ocidente sem que isso implique relativizar violações óbvias ao direito internacional e todos os arranjos que decidimos, enquanto Estado soberano, validar como balizas da convivência harmônica no sistema internacional.

Lula não precisa abraçar o discurso norte-americano ou europeu sem ressalvas, nem reproduzir de forma acrítica políticas que não representem a posição ou os interesses do Brasil, como é o caso das controversas sanções contra a Rússia, mas tampouco deveria desviar do óbvio: é preciso rejeitar falsas simetrias e responsabilizar o agressor.

Defender, de forma seletiva, princípios como respeito a integridade territorial, relativizar consensos construídos no campo multilateral e fechar os olhos para graves violações de direitos humanos definitivamente não contribuirá para que sejamos levados a sério nas grandes mesas que endereçam as questões globais.