Fernanda Magnotta

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Opinião

Realidade e retórica se enfrentam na diplomacia verde do governo brasileiro

Sabemos que gestos e ações simbólicas contam muito em política internacional. Não seria exagero dizer que, em alguma medida, ajudam a construir a realidade, inclusive. No entanto, nem só disso pode ser feita a política externa de um país. É preciso senso de realidade e tomada de medidas concretas e consistentes.

Acompanhamos, ao longo dessa última semana, a grande mobilização do governo brasileiro para a realização de encontros sobre meio-ambiente. Começou com os chamados "Diálogos Amazônicos", depois, veio a tão esperada "Cúpula da Amazônia", tratada por vários interlocutores como o principal projeto diplomático da administração Lula nesse início de governo.

O primeiro, que reuniu quase 15 mil pessoas, tinha como objetivo promover o encontro entre diversos atores interessados na região e dispostos a pensar meios de garantir o desenvolvimento sustentável. O segundo, uma reunião entre líderes de oito países (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela), objetivava tratar de políticas públicas e fortalecer a Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia (OTCA). Ambos ocorreram em Belém, no Pará, como movimentos que antecedem o maior encontro sobre meio-ambiente do mundo, a COP 30, prevista para ter lugar nessa mesma cidade brasileira em 2025.

Não resta dúvida de que é fundamental incentivar a articulação entre diversos tipos de atores na busca de soluções para os desafios da região, e que é urgente fortalecer uma agenda comum de cooperação amazônica. O problema está justamente em converter intenções e acenos em ações efetivas.

Não seria exagero dizer que a semana terminou com menos entusiasmo do que começou. A Cúpula revelou importantes divergências entre interesses e visões de mundo entre os países da região, e culminou em um comunicado final que carece de decisões objetivas. Temas sensíveis como novos compromissos para redução do desmatamento e diretrizes para exploração de petróleo na região permanecem difíceis de pacificar.

Além disso, Belém revelou-se um palco de contrastes quando o assunto são eventos internacionais sobre meio-ambiente. Se, por um lado, sediar encontros na Amazônia brasileira pode ajudar a dar visibilidade para a necessidade de endereçarmos problemas e necessidades da região, por outro lado, pode converter-se em mera oportunidade de que as elites da diplomacia global reunam-se em um destino tratado por boa parte delas como "exótico".

Não se pode ignorar que, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, o Pará tem, hoje, menos de 50% dos lares com abastecimento de água potável e menos de 9% com esgoto tratado. Além disso, de acordo com dados do IBGE, o estado está entre os últimos no ranking de IDH do país.

Andar por Belém durante a organização desses eventos permitiu ouvir planos para a instalação de hotéis flutuantes a fim de superar a crise hoteleira da cidade, e propostas envolvendo frotas de ônibus elétricos destinados para a circulação de congressistas durante a COP, a fim de reduzir os problemas de mobilidade. São propostas míopes, que evidentemente se prestam a resolver gargalos logísticos típicos da organização de grandes eventos, mas que ferem de morte o princípio que motiva tudo isso: endereçar, com credibilidade e compromisso genuíno, os problemas de desenvolvimento sustentável que condenam pessoas e comunidades inteiras no Brasil profundo. Realmente vamos maquiar cidades para não chocar delegações estrangeiras em vez de discutir o legado que podemos deixar para elas? Essa é uma preocupação que precisamos manter presente no debate. Esses encontros não podem ser reduzidos a congressos que começam e terminam em poucos dias. Precisam ser tratados como oportunidades para ganho de tração no processo de construção de políticas públicas de longo prazo.

A falta de consenso entre lideranças e de pactos concretos firmados entre elas, somado a essa disposição em reduzir a sede da COP 30 a um destino de viagem incomum não ajudará nem ao Brasil nem o mundo. Ao contrário, afetará não só a nossa credibilidade, como comprometerá a percepção da relevância e da eficácia de encontros, acordos e instituições internacionais, que já tem sido duramente criticadas em um sistema internacional de ceticismo crescente.

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Precisamos falar sobre as lições que tivemos essa semana para pensar o papel que desejamos desempenhar nos próximos anos, com tanta atenção depositada sobre nós. Não sinalizar a que se veio, é omitir as próprias credenciais; alardear demais e não entregar resultados palpáveis é corrompê-las.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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