Ataque aéreo dos EUA no Iêmen é manobra que vai além do comércio marítimo
Nos últimos dias, os Estados Unidos e o Reino Unido lançaram ataques aéreos contra os chamados "Houthis", no Iêmen. Estes ataques ocorreram em Sanaa, a capital do país, e em Al Hodaydah, um importante porto no Mar Vermelho, que é controlado por esse grupo. Os alvos incluíam centros logísticos, sistemas de defesa aérea e depósitos de armas dos rebeldes.
A ação foi justificada, pelo governo Biden, como uma resposta direta e pontual aos ataques perpetrados pelos Houthis contra navios internacionais no Mar Vermelho. Desde que isso ocorreu, importantes companhias marítimas haviam interrompido as operações na região. A rota é considerada central para o transporte de petróleo, gás natural liquefeito e diversos bens de consumo. Sem surpresa, portanto, a instabilidade por ali causou significativo caos no comércio global e aumentos nos custos de transporte e seguros.
Esse episódio merece atenção por vários motivos. Ele permite jogar luz não apenas sobre a profunda crise que ocorre no Yemen, muitas vezes ofuscada do debate público em função da Guerra da Ucrânia e do enfrentamento na Faixa de Gaza, como também escancara os complexos imbricamentos entre interesses de países e forças transnacionais nessa parte do mundo que geram impacto no sistema como um todo.
A crise do Iêmen se arrasta desde, pelo menos, 2011, quando, ainda no contexto da Primavera Árabe, a revolta popular depôs o então presidente e mergulhou o país em uma sucessão de embates que avançaram na direção de um conflito armado. Além dos problemas políticos, o país enfrenta, há anos, também graves questões econômicas e disputas sectárias.
Os Houthis, são, nesse contexto, um grupo xiita oriundo do norte do Iêmen. Começaram como um movimento religioso e cultural na década de 1990, buscando defender a comunidade Zaidi contra sua marginalização, mas com o agravamento do conflito iemenita ganharam poder progressivo. Em 2014 o grupo chegou a tomar a capital, e, em 2015, constituiu força central na tentativa de dissolver o parlamento do país.
Como dissemos antes, no entanto, para além das implicações internas disso tudo, a ação dos Houthis envolve múltiplos atores regionais e internacionais com agendas que se sobrepõem.
A Arábia Saudita, por exemplo, apoiada por outros atores de maioria sunita, interveio no Yemen buscando apoiar o governo deposto. Isso agravou ainda mais a crise, culminando em uma catástrofe humanitária, com direito a crise de fome, de refúgio e de cólera. É, hoje, agente central na disputa e na instabilidade geral dela derivada.
Já o Irã está envolvido no conflito, pois é acusado de oferecer suporte aos Houthis que, por sua vez, têm apoiado o Hamas no conflito contra Israel, iniciado em 7 de outubro. Eles, inclusive, ameaçaram atacar todos os navios destinados a Israel que passassem perto de sua costa.
Por fim, há um alinhamento geral que é anti-Estados Unidos e aliados com atores como Hezbollah, no Líbano, e grupos terroristas como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico, que se beneficiam indiretamente no caos da região para ampliar redes de atuação.
Que o estreito de Mandeb é estratégico devido ao seu papel crucial no transporte marítimo global ninguém duvida. Reduzir o recente episódio a apenas uma pauta comercial ou acreditar que trata-se de um "caso isolado", no entanto, é fechar os olhos para um tabuleiro bem mais amplo e complicado do que abastecimento de produtos mundo afora.
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