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Jamil Chade

Coronavírus poderá reduzir crescimento do Brasil para apenas 1% em 2020

Colunista do UOL

09/03/2020 14h00

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Resumo da notícia

  • Agência da ONU estima que golpe para economia mundial pode chegar a US$ 2 trilhões
  • Demanda por commodities e acesso a financiamento podem ser afetados

A proliferação do coronavírus não é mais apenas uma crise sanitária. Dados divulgados hoje pela Conferência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) apontam que, se o surto não for parado, o mundo sofrerá um golpe de até US$ 2 trilhões, com um impacto de mais de US$ 220 bilhões aos emergentes.

A previsão aponta que a economia brasileira, num cenário de forte impacto na economia mundial, poderá ter um crescimento de apenas 1%. A queda é profunda em comparação às projeções originais.

Antes da proliferação do vírus, o FMI estimava que o Brasil teria uma expansão de 2,2% em 2020. Na ONU, a previsão apontava para uma expansão de 1,75%. Mas, com o novo cenário, todas as projeções foram refeitas.

De acordo com a agência da ONU, mesmo que o coronavírus fosse controlado hoje, o Brasil teria um crescimento que não passaria de 1,5%. Num cenário em que o vírus continue a se espalhar, a expansão do PIB brasileiro seria revista para baixo, com uma taxa de apenas 1%.

A deterioração nos preços de commodities, a queda da demanda nos principais mercados de destino das exportações nacionais e nas condições de financiamento internacional devem atingir a economia brasileira de forma substancial.

A taxa prevista na ONU está abaixo da previsão do Relatório Focus, do Banco Central (BC). Nesta segunda, as projeções do mercado para o crescimento do PIB registraram uma queda, de 2,17% para 1,99%.

Na avaliação da ONU, a queda no caso brasileiro faz parte de um cenário em que economias economias fracassaram em diversificar seus mercados e, agora, pagam um preço elevado por choque externo.

A queda tem uma relação direta com uma redução na expansão na China, EUA e Europa, gerando um corte na demanda. Juntos, os três mercados representam o pilar central da exportação nacional.

Outro obstáculo é o dólar e a desvalorização das moedas de economias emergentes. Na avaliação da Unctad, a valorização da moeda americana deve continuar, complicando ainda mais o pagamento de dívidas e a situação financeira de governos, entre eles o do Brasil.

"O choque do "Covid-19" causará uma recessão em alguns países e deprimirá o crescimento anual global este ano para menos de 2,5%, o limiar recessivo para a economia mundial", alertou a entidade.

Originalmente, a Unctad previa uma expansão de 2,7% para a economia mundial em 2020. Mas, diante do coronavirus, a expansão deve ser de apenas 1,9%. O desempenho é o pior desde 2009.

Países como o Irã, Itália, Japão, Coreia e México terão uma contração de suas economias. No caso da Argentina, a queda será ainda maior do que previsto, com uma contração de 2% em 2020. Espanha, Suíça, Suécia, Bélgica, Holanda, Nigéria e África do Sul devem registrar uma estagnação.

Um dos especialistas que fez parte do estudo foi Nelson Barbosa, o ex-ministro da Fazenda e do Planejamento no governo de Dilma Rousseff. Hoje, ele é um dos economistas da Unctad para os próximo meses. Durante seus anos em Brasília, a queda da economia superou a marca de 7% em dois anos.

"As perdas de confiança dos consumidores e investidores são os sinais mais imediatos de propagação do contágio", indicou o informe. Na avaliação da entidade, uma combinação de deflação dos preços dos ativos, demanda agregada mais fraca, aumento da angústia da dívida e um agravamento da distribuição de renda poderia desencadear uma crise ainda maior.

Para a Unctad, não se pode descartar um súbito e grande colapso dos valores dos ativos. que marcaria o fim da fase de crescimento do atual ciclo econômico mundial.

"Em setembro, estávamos ansiosamente examinando o horizonte em busca de possíveis choques, dadas as fragilidades financeiras deixadas sem solução desde a crise de 2008 e a persistente fraqueza da demanda", disse o diretor de Estratégias de Globalização e Desenvolvimento da UNCTAD, Richard Kozul-Wright.

Segundo ele, uma década de dívida, ilusão e políticas equivocadas agora foram expostas.

"A crise financeira asiática do final dos anos 90 oferece alguns paralelos com a situação atual, mas essa crise ocorreu antes de a China ter dado à região uma importância econômica global muito maior e quando as economias avançadas se encontravam em condições económicas razoavelmente boas", disse. "Isso não é o caso hoje", lamentou.

"Os níveis da dívida agregada pública e privada em muitos países em desenvolvimento já estão em níveis elevados, e em vários casos agudos, de angústia", apontou.

"Enquanto a recente explosão da dívida corporativa, grande parte dela de baixa qualidade de crédito, representa o perigo mais imediato nas economias avançadas, os países em desenvolvimento enfrentam uma série de vulnerabilidades financeiras e de dívida que não permite suportar outro choque externo", disse Kozul-Wright.

Outro obstáculo vem da China, que se tornou uma fonte crucial de empréstimos a longo prazo para os países em desenvolvimento. "Se as suas condições de empréstimo se tornarem mais restritivas com a desaceleração, aqueles com laços financeiros mais fortes com a China poderão estar entre os mais lentos a recuperar do impacto econômico da crise da Covid-19", disse.

Na avaliação da ONU, as economias mais afetadas neste cenário serão os países exportadores de petróleo e outros exportadores de commodities. Esses devem perdem mais de um ponto percentual de crescimento, bem como aqueles com fortes vínculos comerciais com as economias inicialmente afetadas.

"As desacelerações do crescimento entre 0,9 e 0,7% deverão ocorrer em países como o Canadá, México e região da América Central, nas Américas; países profundamente inseridos nas cadeias globais de valor do Leste e Sul da Ásia, e países mais ligado à União Européia", diz.

Respostas

Na avaliação da entidade, um obstáculo para se pensar numa resposta é a crença persistente na solidez dos fundamentos econômicos e numa economia mundial auto-corrigida. "Isto irá impedir as intervenções políticas mais arrojadas necessárias para evitar a ameaça de uma crise mais grave e aumenta as chances de choques recorrentes causarem sérios danos econômicos no futuro", acrescentou Kozul-Wright.

"Os bancos centrais não estão em posição de resolver sozinhos esta crise e uma resposta apropriada de política macroeconômica precisará de gastos fiscais agressivos com investimentos públicos significativos", disse.

"A coordenação internacional destes programas será necessária", completou.

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