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Jamil Chade

Análise: Pandemia consolida status de Bolsonaro como pária internacional

Presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto - Ueslei Marcelino
Presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto Imagem: Ueslei Marcelino

Colunista do UOL

31/03/2020 04h00Atualizada em 31/03/2020 22h02

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Primeiro foi o desrespeito pelos princípios básicos de direitos humanos, chocando a comunidade internacional. Depois, a insistência em elogiar ditadores sul-americanos acusados de crimes contra a humanidade. Não demorou para que ele voltasse ao centro das atenções internacionais, desta vez por conta da Amazônia, dos incêndios e sua hesitação em aceitar a realidade das mudanças climáticas. Ele ainda desfilou ofensas contra líderes estrangeiros, seus pais ou esposas, rompendo todos os protocolos de civilidade.

Agora, é a pandemia que coloca o governo de Jair Bolsonaro na contramão do mundo.

A realidade é que, nos meios diplomáticos, científicos, opinião pública estrangeira e na imprensa internacional, o coronavírus consolidou a imagem de pária internacional do presidente brasileiro. Imagem essa que já estava sendo construída ao longo dos meses com uma mistura de declarações desastrosas, ausência de políticas e uma imagem de capacho dos interesses americanos.

Em diferentes capitais, a impressão que surgiu foi que a diplomacia presidencial — central na política externa de um país — sucumbiu aos interesses de uma família e se limitou à declaração de amor em relação ao presidente Donald Trump.

Na OMS, Bolsonaro passou a ser visto por uma parcela dos técnicos como um "perigo", já que sinalizou à população seu desprezo pela ciência, por divulgar falsas informações e ainda ignorar as recomendações dos especialistas.

Se Bolsonaro gerou inquietação ao promover uma campanha para que as pessoas saiam de casa, o centro das críticas é outro: a insistência em minimizar a doença e a classificar de "histeria" e ou "gripezinha".

Simbólica foi ainda a ausência do chefe da pasta de Saúde, Luiz Henrique Mandetta, à reunião promovida pela OMS com mais de 50 ministros de todo o mundo, na semana passada. Protagonista em debates na agência mundial de saúde por 20 anos, o Brasil desapareceu das discussões e passou a ser irrelevante.

O "desaparecimento" do Brasil não ocorre apenas na OMS. No início de março, a Unesco realizou um encontro para debater a questão da educação e o fechamento de escolas. O ministro da Educação do Brasil não participou.

Na OCDE, a cobrança aumenta sobre o Brasil para que o governo adote as medidas necessárias, inclusive para demonstrar que a comunidade internacional pode confiar no comportamento da liderança do país.

Na ONU, os comentários variam entre o choque e a confirmação de que o Brasil é governado por atitudes irresponsáveis. "Insano", "Banana", "irresponsável", "perigoso", foram algumas das mensagens que recebi por WhatsApp nos últimos dias, enviados por diplomatas estrangeiros e funcionários de entidades.

Entre personalidades do alto escalão da ONU, as críticas contra o brasileiro são ferozes e beiram à irritação diante do impacto que ele pode ter no mundo. De fato, os ataques não ocorrem apenas por conta da falta de proteção aos brasileiros. Agências das Nações Unidas ainda trabalham com a possibilidade de conter o vírus. Mas, se num país de 200 milhões de habitantes o caminho adotado é outro, a avaliação é de que meta internacional jamais será atingida.

"Enquanto houver um surto ou foco da doença no mundo, todos estaremos sob ameaça e de nada terá adiantado a quarentena na Espanha, Itália e outros países", disse um alto funcionário da ONU. A responsabilidade de Bolsonaro, portanto, não é apenas em relação aos brasileiros. Mas também diante da comunidade internacional.

Se na crise dos incêndios na Amazônia ou na questão de direitos humanos a avaliação internacional era de que Bolsonaro estava - erroneamente - defendendo sua posição com o argumento da "soberania nacional", desta vez a pandemia rompe todos os pilares de sua ideologia de defesa das fronteiras. Sua posição, portanto, é interpretada simplesmente como egoísta.

Se o presidente inicialmente seguia o mesmo receituário de Donald Trump, Boris Johnson e outros líderes, Bolsonaro foi progressivamente sendo deixado sozinho em sua estratégia. O britânico acabou colocando seu país em quarentena, enquanto Trump promoveu uma reviravolta em sua estratégia, testando 1 milhão de americanos.

Nem mesmo aliados semi-democráticos adotaram o mesmo plano. Viktor Orban aproveitou a pandemia para passar uma lei em seu parlamento dando ao Executivo o poder de governar por decreto, sem prazo final, e estabelecendo uma dura quarentena. Um sonho para muitos dos governos pseudo-democráticos que fazem parte dos aliados mais próximos de Bolsonaro.

Em resposta à coluna, o diplomata chinês Yong Feng, que foi o vice-diretor da Divisão Internacional da Comissão Nacional de Saúde, preferiu não criticar Bolsonaro diretamente. Mas fez seu alerta. "Cada país tem sua situação e saber o que é certo e errado. Acredito que precisamos seguir a recomendação da OMS. Não podemos sacrificar as vidas humanas", disse.

Entre os especialistas internacionais, não faltaram críticas em relação ao comportamento do brasileiro. O presidente da Eurasia Group, Ian Bremmer, classificou Bolsonaro como o líder mundial mais ineficaz na resposta ao coronavírus. " (Bolsonaro) Danificará seriamente seu mandato", escreveu. Outro que concorre com o brasileiro é o presidente de esquerda do México, Andrés Manuel López Obrador.

A principal revista científica também criticou a postura do brasileiro. "Muitos governos federais responderam rapidamente, mas muitos ainda não levam a sério a ameaça da Covid-19 - por exemplo, ignorando a recomendação da Organização Mundial da Saúde contra aglomerações", escreveu a revista The Lancet. "O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, tem sido fortemente criticado por especialistas da área da saúde e enfrenta uma intensa reação pública por sua fraca resposta", disse.

O diretor executivo do Observatório Político para a América Latina e o Caribe (OPALC) da Sciences Po, em Paris, Gaspard Estrada, também alertou para o comportamento do presidente.

"O fator preocupante é que, se ele perder o apoio da maioria dos brasileiros e dos setores que o apoiam, Bolsonaro poderá ficar tentado a aproveitar essa crise para implementar uma agenda autoritária que rodeia a democracia brasileira. E isso parece que já começou: 23 de março de Bolsonaro anulou a lei de acesso à informação pública por decreto", escreve Estrada.

Para a imprensa estrangeira, o comportamento de Bolsonaro não é mais que uma confirmação de seu status de irresponsável. Publicações como The Guardian, NYT, The Economist e tantos outros alertaram para o caráter surreal e "incendiárias" das políticas adotadas no Brasil. Para o The Atlantic, o brasileiro é o líder dos "negacionistas" do vírus.

Na Suíça, sede da OMS, Bolsonaro foi a manchete do jornal Le Temps, na semana passada. E com um título que remetia à leviandade do brasileiro. Na França, Alemanha, Itália, Espanha e em diversos outros países, Bolsonaro passou a aparecer como uma figura desconectada da realidade, enquanto uma pandemia colocava o mundo de joelhos.

Simbólico também foi a constatação de que o Brasil passou a fazer parte da editorias de jornais estrangeiros dedicadas à fatos insólitos: o cachorro que salvou um gato, do roubo de um quadro num museu vazio e da proliferação de divórcios na China por conta da quarentena. E, claro, o presidente que usa as redes sociais para divulgar mentira sobre um vírus que matou mais de 30 mil pessoas.

Para deputados europeus consultados pela coluna, se já havia uma enorme resistência em votar pela aprovação de acordos comerciais com o Brasil por conta de temas de meio ambiente, a nova crise internacional transformou Bolsonaro em um elemento "tóxico".

Também caiu como um sinal de alerta em várias chancelarias a reação que o Itamaraty teve ao sair, às pressas, para defender o filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, na crise que ele mesmo abriu com Pequim. O deputado havia usado as redes sociais para repetir um mantra de Trump sobre a responsabilidade da China pela crise mundial. A diplomacia chinesa reagiu com dureza e o chanceler Ernesto Araújo, no lugar de adotar uma postura de defesa do estado brasileiro, saiu para socorrer o filho do chefe, tomando para si as dores da atitude de um parlamentar.

Se o coronavírus vem redefinindo o mundo e mostrando quem é quem no jogo internacional, a realidade é que a pandemia apenas confirmou à comunidade internacional o despreparo de um governo. Cego diante das evidências, surdo diante das recomendações e contagioso diante sua irresponsabilidade.