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Jamil Chade

No front da pandemia: mundo vive déficit de 6 milhões de enfermeiros

Enfermeiras em Wuhan, na China - Reprodução/Instagram/@sophfei
Enfermeiras em Wuhan, na China Imagem: Reprodução/Instagram/@sophfei

Colunista do UOL

06/04/2020 19h00

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Resumo da notícia

  • Brasil tem números equivalentes a países ricos. Mas falta de distribuição e condições precárias de trabalho são obstáculos
  • No mundo, a média é de 32 enfermeiros por 10 mil habitantes. No Brasil, a taxa é de 101 profissionais por 10 mil pessoas.

Há uma falta de 5,9 milhões de enfermeiros no mundo. Os dados estão sendo publicados pela primeira vez nesta segunda-feira pela Organização Mundial da Saúde, num momento em que a comunidade internacional se depara com as falhas em seus sistemas de saúde diante de uma pandemia.

No caso do Brasil, o índice de enfermeiros fica acima da média mundial e equivalente aos países ricos. Mas as regulações e condições de trabalho estão abaixo inclusive de muitos países africanos.

No "front" do combate a algumas doenças, enfermeiros têm mostrado no momento da pandemia a dimensão de sua importância. Para a OMS, a falta desses profissionais custam vidas e tal situação está sendo crítico neste momento. Os dados estão sendo publicados às vésperas do dia mundial da saúde, marcado para este 7 de abril.

Alvo de ataques de pessoas que acreditam que estão transportando o vírus, os enfermeiros se transformaram no símbolo do sacrifício pessoal e de compromisso. Na Itália, 9% das pessoas infectadas são enfermeiros. No total, o país já registrou 23 mortes entre essas profissionais, sendo que duas foram por suicídio. Na Espanha, a taxa chega de 14%. Alguns levantamentos indicam que, pelo mundo, mais de cem médicos e profissionais de saúde já morreram.

De acordo com o primeiro levantamento global do setor, a OMS estima que existam 28 milhões de enfermeiros em todo o mundo. Entre 2013 e 2018, o número de enfermeiros aumentou em 4,7 milhões. Mas isso ainda deixa um déficit global de 5,9 milhões. Os maiores problemas estão em países de África, do Sudeste Asiático e algumas partes da América Latina.

O setor é ainda um espelho das desigualdades no mundo. Mais de 80% dos enfermeirOs do mundo trabalham em países que acolhem apenas metade da população mundial.

A migração também é um desafio. Um em cada oito enfermeiros trabalha num país que não aquele onde nasceram ou receberam formação. Parte do problema está nos países ricos que, sem investir em educação e renda do setor, acabam sendo obrigados a ter de importar milhares de profissionais de países mais pobres. No Reino Unido, a estimativa é de que o país terá de recrutar pelo menos 5 mil enfermeiros por ano do exterior até 2024. ?
O Japão adotou um novo programa de vistos para atrair até 245 mil trabalhadores estrangeiros, incluindo 60 mil auxiliares de enfermagem. O governo alemão comunicou que terá de importar cerca de 36 mil enfermeiros e cuidadores do exterior.

Brasil: Números elevados, condições de trabalho precárias

De acordo com a OMS, o Brasil tem taxas equivalentes aos países ricos. Mas os problemas são outros: falta de distribuição e péssimas condições de trabalho.

No mundo, a taxa é de 36 enfermeiros para cada 10 mil. Na Europa, a taxa é de 79, contra apenas 8 na África. De uma forma geral, são 9,1 enfermeiros por 10 mil habitantes em países de baixa renda, em comparação com 107,7 por 10 mil habitantes em economias de elevada renda.

No caso brasileiro, a taxa é de 101 por cada 10 mil habitantes, o equivalente a alguns dos lugares mais ricos do planeta. São cerca 2,1 milhão, das quais 511,5 mil são profissionais. 87% são mulheres.

De acordo com o levantamento, porém, o país teve um desempenho sofrível no que se refere às regulações e condições de trabalho, abaixo de alguns países africanos. Num índice de um a seis, o Brasil somou apenas dois pontos, equivalente ao desempenho da Índia.

O indicador avalia questões como horas de trabalho, proteção social, contratos temporários, plano de carreira e medidas de proteção.

Segundo a OMS, o SUS e o compromisso do estado brasileiro com a saúde universal levou o país a fazer progressos na área. Mas os desafios continuam e, de acordo com a entidade, o maior deles é o da distribuição. Se grandes cidades não registram escassez, a situação é considerada como grave nas periferias e em regiões mais pobres do país.

As desigualdades se repetem no restante do continente. Nas Américas, mais de oito em cada dez enfermeiros trabalham em três países - Brasil, Canadá e Estados Unidos. Eles, porém, acolhem 57% da população.

Investimentos: US$ 10,00 por pessoa por ano

Para evitar a escassez global de enfermeiros, o relatório estima que os países em situação de escassez devem aumentar em média 8% por ano o número total de enfermeiros licenciados, juntamente com uma melhor capacidade de emprego e de manutenção no sistema de saúde. Isto custaria cerca de US$ 10 per capita por ano.

A OMS também constata que cerca de 90% de todos os enfermeiros são do sexo feminino, mas poucos são os que ocupam cargos superiores de liderança na área da saúde. A maior parte desses cargos é ocupada por homens. Mas quando os países permitem que os enfermeiros assumam um papel de liderança, por exemplo através de um chefe de enfermagem do governo, e de programas de liderança de enfermagem, as condições para os enfermeiros melhoram.

A entidade pede que governos aumentem o financiamento para educar e empregar mais enfermeiros, monitorem a mobilidade e a migração dos enfermeiros, criem planos de carreiras, com treinamento.

A OMS também sugere estabelecer posições de liderança, incluindo uma enfermeira chefe de governo, e apoiar o desenvolvimento da liderança entre os jovens enfermeiros. Além disso, a entidade pede melhorias nas condições de trabalho, nomeadamente através de níveis de segurança do pessoal, de salários justos e do respeito dos direitos em matéria de saúde e segurança no trabalho.

"A mensagem do relatório é clara: sem enfermeiros, parteiras e outros profissionais de saúde, os países não podem vencer a batalha contra os surtos, nem alcançar a cobertura universal da saúde", completou.

"Os enfermeiros são a espinha dorsal de qualquer sistema de saúde. Atualmente, muitos enfermeiros encontram-se na linha da frente na batalha contra o Covid-19", disse Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS. "Este relatório é um lembrete muito claro do papel único que desempenham e um alerta para garantir que recebem o apoio de que necessitam para manter o mundo saudável", apontou.