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Jamil Chade

Trabalhadores informais no Brasil estarão entre os mais afetados no mundo

Periferia de SP - Inês Bonduki/UOL
Periferia de SP Imagem: Inês Bonduki/UOL

Colunista do UOL

07/04/2020 11h00

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Resumo da notícia

  • "Sem apoio aos mais pobres, quarentena não funcionará", alerta diretor-geral da OIT
  • Segundo OIT, Brasil, Índia e Nigéria serão duramente afetados
  • Entidade pede que dinheiro chegue às pessoas vulneráveis
  • No mundo, impacto da pandemia já aniquilou o equivalente a 195 milhões de trabalhadores em tempo integral

A quarentena não vai funcionar se milhões de pessoas forem colocadas numa situação de ter de abrir mão de suas rendas para ficar em casa. O alerta é do diretor-geral da OIT, Guy Ryder. Segundo ele, a pandemia já cortou horas trabalhadas que equivaleriam a 195 milhões de trabalhadores em tempo integral.

Em um informe apresentado nesta terça-feira, a entidade colocou o Brasil como um dos que mais afetados diante da pandemia, com grande número de trabalhadores na informalidade sendo confrontados por restrições de movimento.

De acordo com o levantamento, o Brasil tem uma taxa de informalidade de 46%, abaixo da média mundial de 61%. De acordo com Dorothea Schmidt Klau, uma das autoras do informe, o país é colocado numa posição de destaque entre os que mais serão afetados por conta de uma combinação entre medidas duras de restrições de movimentos e número de trabalhadores na informalidade.

"O Brasil deve ser um dos mais afetados", disse Dorothea. "Não é o país que tem mais informalidade. Mas avaliamos a combinação entre isso e as restrições", explicou.

A solução, porém, não é abrir mão da questão de saúde. Mas garantir a renda das famílias. Para Ryder, as políticas que existem hoje pelo mundo não darão conta e pede que governos busquem alternativas. "Precisamos encontrar formas para garantir o apoio a quem precisa", disse.

Para ele, não vai funciona a quarentena se pessoas tiverem de ser confrontadas com ficar em casa e não comer. "Precisamos fazer chegar dinheiro para as pessoas para que possam sobreviver", apelou.

Junto com o Brasil, Índia e Nigéria estarão entre os países mais afetados. "Na Índia, Nigéria e Brasil, o número de trabalhadores da economia informal afetados pelo encerramento e por outras medidas de confinamento é substancial", apontou o informe.

"Cerca de 2 bilhões de pessoas trabalham informalmente, a maioria delas em países emergentes e em desenvolvimento", aponta a OIT. "A economia informal contribui para o emprego, os rendimentos e os meios de subsistência e, em muitos países de baixo e médio rendimento, desempenha um papel econômico importante", diz.

"No entanto, os trabalhadores da economia informal carecem da proteção básica que os empregos formais normalmente proporcionam, incluindo a cobertura da proteção social. Estão também em desvantagem no acesso aos serviços de saúde e não têm rendimento que os substitua se deixarem de trabalhar em caso de doença", constata.

"Os trabalhadores informais nas zonas urbanas também tendem a trabalhar em setores econômicos que não só comportam um risco elevado de infecção por vírus, mas também são diretamente afetados por medidas de confinamento: trata-se de empresas de reciclagem de resíduos, vendedores ambulantes e servidores de alimentos, trabalhadores da construção civil, trabalhadores dos transportes e trabalhadores domésticos", diz.

Segundo a OIT, o coronavírus já está afetando dezenas de milhões de trabalhadores informais. "Na Índia, com uma percentagem de quase 90% de pessoas a trabalhar na economia informal, cerca de 400 milhões de trabalhadores na economia informal estão em risco de cair mais profundamente na pobreza durante a crise", alerta.

No total, a OIT estima que as quarentenas - totais ou parciais - estão atingindo 2,7 bilhões de trabalhadores, o que representa 81% de toda mão de obra do planeta.

A OIT estima que 25 milhões de empregos podem ser perdidos por conta da crise. Até agora, entre 13 e 14 milhões já foram afetados. Mas a entidade insiste que o momento é de ação para socorrer esses trabalhadores. Se nada for feito em termos de quarentenas, as estimativas apontam para um número muito maior de mortes.

Escolher entre renda e vida não é o debate correto, segundo Ryder. "Precisamos sair dessa lógica equivocada. Não é uma questão de salvar vidas ou empregos. Esse é um falso dilema", disse.

Horas

De acordo com a OIT, a crise deverá extinguir 6,7% de horas de trabalho a nível mundial no segundo trimestre de 2020 - o equivalente a 195 milhões de trabalhadores em tempo integral.

Os maiores impactos ocorreriam nos países árabes, na Europa (7,8%, ou seja, 12 milhões de trabalhadores a tempo integral) e na Ásia (7,2%, ou seja, 125 milhões de trabalhadores a tempo integral). Na América Latina, isso representaria 14 milhões de postos de trabalhos.

A previsão também aponta para perdas em diferentes grupos de rendimento, mas especialmente nos países com rendimentos médios superiores (7,0%, 100 milhões de trabalhadores a tempo integral). "Esta situação excede em muito os efeitos da crise financeira de 2008-9", disse.

Os setores de maior risco incluem hotelaria, serviços alimentares, a indústria transformadora, o comércio e atividades empresariais e administrativas. Nesses setores estão 1,2 bilhão de pessoas. Nas Américas, eles representam 41% de toda a mão de obra.

Diante do cenário, a OIT admite que existe um risco elevado de que o volume no final do ano seja significativamente superior à previsão inicial da OIT, de 25 milhões. Hoje, 81% dos 3,3 bilhões de trabalhadores estão afetados por quarentenas totais ou parciais.

"Os trabalhadores e as empresas enfrentam uma catástrofe, tanto nas economias desenvolvidas como nas economias em desenvolvimento", afirmou Guy Ryder. A OIT descreve a pandemia como "a pior crise global desde a Segunda Guerra Mundial".

A entidade ainda defendeu "medidas políticas integradas em grande escala, centradas em quatro pilares: apoio às empresas, emprego e renda; estímulo à economia e ao emprego; proteção dos trabalhadores no local de trabalho".

"Este é o maior teste à cooperação internacional em mais de 75 anos", afirmou Ryder. "Se um país falhar, então todos nós falhamos".

"As escolhas que hoje fazemos vão afetar diretamente a forma como esta crise se desenrola e, portanto, a vida de milhares de milhões de pessoas", acrescentou. "Com as medidas certas podemos limitar o seu impacto e as cicatrizes que deixa", acrescentou.