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ONU se diz "preocupada" com combate à pandemia no Brasil

Luiz Henrique Mandetta joga álcool gel na mão de Jair Bolsonaro durante entrevista coletiva - Foto: Adriano Machado
Luiz Henrique Mandetta joga álcool gel na mão de Jair Bolsonaro durante entrevista coletiva Imagem: Foto: Adriano Machado

Colunista do UOL

27/04/2020 06h47

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Resumo da notícia

  • Entidade defende que governo garanta proteção de valores democráticos
  • "Mensagens conflitantes" entre autoridades minam combate ao vírus no Brasil
  • Situação de indígenas preocupa a ONU, que pede atenção aos mais vulneráveis
  • No mundo, estados de emergência têm levado a milhares de prisões, mortes e violações de direitos humanos

A ONU afirma estar preocupada com o comportamento de autoridades brasileiras diante da pandemia. Numa coletiva de imprensa nesta manhã em Genebra, a entidade deixou claro que mensagens conflitantes por parte do governo minam a capacidade do país em dar uma resposta ao coronavírus e faz um alerta sobre possível respostas que reforcem tendência anti-democráticas.

Georgette Gagnon, diretora de Operações do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, indicou que seu escritório está "preocupado"com as "mensagens conflitantes de autoridades, por vezes reduzindo a seriedade da situação, e isso pode minar os esforços do Brasil para lidar com a pandemia". De acordo com ela, isso poderia potencialmente levar a uma situação difícil ao país.

Desde o início da pandemia, o governo federal e governos estaduais vêm travando uma batalha no que se refere às estratégias para lidar com a crise.

Na ONU, outro alerta se refere aos valores defendidos pelas autoridades federais. "É nossa posição que governos, em todos os lados, precisam proteger valores democráticos e direitos humanos, evitar respostas que alimentem tendências anti-democráticas, certamente num pais e numa região", disse Gagnon.

Há uma semana, Jair Bolsonaro sugeriu seu apoio a manifestações que, entre seus participantes, defendiam o fechamento do Congresso e do STF, além de vozes que pediam medidas de cunho autoritárias.

No ano passado, Bolsonaro atacou a alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, por alertar que o espaço cívico no Brasil estava encolhendo e por criticar a violência policial.

Agora, para completar, a entidade indicou estar também preocupada com o impacto que a pandemia pode ter na população, em especial nos grupos mais vulneráveis, como os detentos e pessoas sem-teto. Ela explicou que está em contato com autoridades para implementar medidas no que se refere às prisões do país.

Em especial, porém, a ONU teme a chegada do vírus em comunidades indígenas. Segundo ela, isso coloca "um desafio, inclusive para sua sobrevivência". O escritório da ONU tem recebido registro de casos e pede novas investigações sobre a situação.


No mundo, estado de emergência tem causado mortes, corrupção e prisão

A coletiva de imprensa foi realizada para lançar um guia sobre como governos devem agir durante a pandemia. Com mais de 80 países declarando algum estado de emergência por conta do vírus, a ONU alerta que dezenas estão usando tais mecanismos para reprimir dissidentes e a oposição, além de colocar milhares de pessoas na prisão por violar confinamentos.

Num documento publicado nesta segunda-feira com orientações de direitos humanos em temos de estado de emergência, a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos Michelle Bachelet apelou para que governos garantam que os direitos humanos não sejam violados sob o pretexto de medidas excepcionais.

"Os poderes de emergência não devem ser uma arma que os governos possam usar para anular a dissidência, controlar a população e até mesmo perpetuar seu tempo no poder", advertiu Bachelet. "Eles devem ser usados para lidar efetivamente com a pandemia - nada mais, nada menos", disse.

Protocolos admitem que estados sejam autorizados a restringir alguns direitos para proteger a saúde pública, e também têm certos poderes adicionais se um estado de emergência ameaçando a vida da nação for declarado publicamente.

Mas, em ambos os casos, as restrições precisam ser "necessárias, proporcionais e não discriminatórias". "Elas também precisam ser limitadas em duração e devem ser estabelecidas salvaguardas fundamentais contra os excessos", declarou.

"Alguns direitos, incluindo o direito à vida, a proibição contra a tortura e outros maus-tratos e o direito de não ser detido arbitrariamente continuam a ser aplicáveis em todas as circunstâncias", alertou a ONU.

"Tem havido inúmeros relatos de diferentes regiões de que a polícia e outras forças de segurança têm usado a força excessiva, e às vezes letal, para fazer as pessoas obedecerem a bloqueios e toque de recolher. Tais violações têm sido frequentemente cometidas contra pessoas pertencentes aos segmentos mais pobres e vulneráveis da população", disse Bachelet.

"Disparar, deter ou abusar de alguém por quebrar o toque de recolher porque está desesperadamente à procura de alimentos é claramente uma resposta inaceitável e ilegal", insistiu a chilena.

"Em alguns casos, as pessoas estão morrendo por causa da aplicação inadequada de medidas que supostamente foram postas em prática para salvá-las", disse Bachelet.

Chicote e prisões

Em alguns países, milhares também foram detidos por violações do toque de recolher, uma prática que é desnecessária e insegura. De acordo com a ONU, prisões e presídios são ambientes de alto risco, e os estados devem se concentrar em libertar quem puder ser libertado com segurança, e não em deter mais pessoas.

De acordo com a ONU, desde 9 de abril, 151 queixas foram feitas contra a polícia do Quênia, resultando em 20 mortes. O número é superior aos mortos pela pandemia.

Na África do Sul, a entidade alerta sobre violência da polícia, com o uso até chicotes para manter distância entre as pessoas. 17 mil pessoas detidas por violar a quarentena também foram registradas.

Nas Filipinas, foram 120 mil pessoas retidas ou colocadas nas prisões. Os dados ainda apontam para 26 mil detenções no Sri Lanka. 7 mil em Honduras e milhares de outras em El salvador e Peru. Na Jordânia, são 15 mil pessoas presas, 800 por dia. No Marrocos, mais de 47 mil pessoas.

"A violência só deve usar a força quando estritamente necessário, e a força letal só pode ser usada quando há risco iminente de vida", disse Bachelet.

As medidas e leis introduzidas em alguns países contêm referências a delitos vagamente definidos, aliados, por vezes, a penas severas, alimentando preocupações que podem ser utilizadas para amordaçar a mídia e prender críticos e adversários. Embora medidas para restringir o movimento e a reunião sejam legítimas em tais circunstâncias, a confiança do público e o escrutínio são essenciais para que elas sejam eficazes.

Desinformação e Censura

Outro alerta que a ONU faz é sobre a censura. Um dos casos destacados é o da China, com suspeitas de casos de violações sendo recebidas na entidade sobre intimidações, prisões e censura. Tendências similares também foram identificadas no Irã, com a prisão de médicos e cientistas que contestaram o governo.

"É importante combater a desinformação, mas fechar a livre troca de idéias e informações não só viola direitos, como também mina a confiança". Informações falsas sobre a COVID-19 representam um enorme risco para as pessoas. Mas as más decisões políticas também", disse a Alto Comissária. "Direitos de subestimação como a liberdade de expressão podem prejudicar incalculavelmente o esforço para conter a COVID-19 e seus efeitos colaterais sócio-econômicos perniciosos".

A orientação publicada nesta semana estabelece claramente que as medidas não só devem ser necessárias para alcançar um objetivo legítimo de saúde pública, como também devem ser a abordagem "menos intrusiva" necessária para alcançar esse resultado.

"Temos visto muitos Estados adotarem medidas justificáveis, razoáveis e limitadas no tempo. Mas também tem havido casos profundamente preocupantes em que os governos parecem estar usando a COVID-19 como cobertura para violações de direitos humanos, restringindo ainda mais as liberdades fundamentais e o espaço cívico e minando o Estado de direito", disse Bachelet.

Fechamento de Parlamento

Bachelet disse que medidas excepcionais ou um estado de emergência devem ser sujeitas a uma supervisão parlamentar, judicial e pública adequada. Nesse caso, a medida tomada pelo governo da Hungria é usada como exemplo a não seguido, depois que o primeiro-ministro passou a concentrar todo o poder.

Dada a natureza excepcional da crise, é claro que os Estados precisam de poderes adicionais para lidar com ela". No entanto, se o Estado de direito não for mantido, então a emergência de saúde pública corre o risco de se tornar um desastre de direitos humanos, com efeitos negativos que durarão mais tempo do que a própria pandemia", disse Bachelet.